sábado, 28 de fevereiro de 2009

Iniciativa Global de Adaptação de Comunidades às mudanças climáticas

Iniciativa ajudará na adaptação às mudanças climáticas
Paula Scheidt
Carbono Brasil


Oxfam, Care e Instituto Ambiental de Estocolmo estão entre as instituições que irão incentivar uma maior troca de experiências de ações realizadas em comunidades pobres de todo o planeta para enfrentar as conseqüências do aquecimento global

Mais de 150 representantes de agências de doações, ONGs internacionais e institutos de pesquisa de 50 países se juntaram para ajudar as comunidades mais pobres do planeta a se adaptarem as mudanças climáticas em uma nova iniciativa lançada na terça-feira (24), durante a Terceira Conferencia Internacional de Adaptação de Comunidades, em Daca, Bangladesh.

“As mudanças climáticas já trazem sérios impactos na vida de pessoas de comunidades pobres ao redor do mundo”, afirmou o membro sênior do grupo de mudanças climáticas do Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (IIED), Dr Saleemul Huq.

A Iniciativa Global de Adaptação de Comunidades às mudanças climáticas irá apoiar uma plataforma digital e uma série de conferências internacionais para permitir que especialistas troquem informações sobre o que funciona melhor e quais estratégias de adaptação empregadas em uma parte do mundo podem ser replicadas em outros lugares. A próxima Conferencia será em setembro de 2009, na Tanzânia.

“Estas pessoas precisam com urgência se adaptar no nível comunitário através de mudanças no modo de vida e de trabalho. Os poluidores que estão causando este problema devem aceitar a responsabilidade e ajudar estas comunidades fornecendo compensação na forma de fundos, tecnologia e experiência técnica”, disse Hug durante o lançamento da Iniciativa.

Alguns exemplos de medidas são a troca por espécies agrícolas mais adequadas a condições de seca, enchentes e alta salinidade; técnicas de irrigação eficientes para enfrentar a escassez de água; a diversificação de plantações por pesca e criação de rebanhos; a construção de defesas contra enchentes e o estabelecimento de sistemas de avisos prévios a ciclones.

As ações, contudo, não devem se focar excessivamente em estratégias de curto prazo, que são apenas paliativos e não são sustentáveis ao longo do tempo, alerta o professor emérito da Universidade de Toronto (Canadá), Ian Burton, também cientista emérito do Serviço Meteorológico do Canadá. “É importante evitar adaptações ruins ou que façam a situação piorar com o passar do tempo caso nos foquemos no que irá funcionar a curto prazo”, disse Burton à SciDev.net.

Durante o encontro, foram apresentadas experiências realizadas ao redor da África e Ásia, como em Bangladesh, onde foram criados os “jardins alagados” – usando uma base de plantas aquáticas para o cultivo de vegetais – o que permite o plantio em áreas alagadas.

No Nepal, fazendeiros locais estão usando o conhecimento sobre espécies tradicionais e plantações negligenciadas ou pouco utilizadas para escolher as que trazem o melhor retorno financeiro. Já no Vale Lower Ouémé, em Benin, as comunidades buscam soluções como o cultivo de espécies que crescem rapidamente em áreas secas de florestas pantanosas.

Entre as instituições que criaram a iniciativa estão o IIED, a Oxfam Internacional, a Action Aid, a WWF, a CARE Internacional, o Instituto Ambiental de Estocolmo, o Christian Aid, a Caritas, o Centro de Estudos Avançados de Bangladesh e o Fundo de Desenvolvimento da Noruega.


Fundos de Adaptação

Segundo um levantamento feito pelo jornal britânico The Guardian, apenas 10% do dinheiro prometido pelos países ricos para a adaptação ao aquecimento global foi repassado aos países em desenvolvimento nos últimos sete anos. Em discursos, as nações mais ricas do mundo já prometeram US$ 18 bilhões, porém somente US$ 900 milhões realmente chegaram às comunidades.

“Isto é um escândalo. A quantidade que os países desenvolvidos forneceram é insignificante. Isto está envenenando as negociações da ONU. O que os países ricos oferecem para os mais pobres é irrisório, o equivalente ao bônus de um banqueiro. É um insulto para as pessoas que já experimentam o aumento de eventos climáticos extremos”, disse ao Guardian a chefe de negociações para o grupo de países em desenvolvimento do G77 e a China, Bernarditas Muller, da Filipinas.

Segundo as Nações Unidas, são necessários de US$ 50 a US$ 70 bilhões por ano em investimentos imediatos para ajudar os países pobres a se adaptarem a enchentes extremas, secas e ondas de calor. O chefe do braço climático da ONU, Yvo de Bôer, afirmou que sem recursos financeiros significativos, os países em desenvolvimento são irão se engajar nas negociações para um novo acordo de redução de emissões de gases do efeito estufa, que deve substituir o Protocolo de Quioto após 2012.

Até agora, o Reino Unido, a Alemanha, o Japão e os Estados Unidos lideram um grupo de 12 países ricos que pedem US$ 6,1 bilhões em doações para dois fundos de investimentos climáticos administrados pelo Bando Mundial. Porém nenhum recurso financeiro tem sido depositado e não há dinheiro disponível na forma de empréstimos, nem gratificações com condições rígidas de como o dinheiro deve ser gasto.

Governo local pela sustentabilidade (Maura Campanili, Clima em Revista)

Governo local pela sustentabilidade
Maura Campanili
Clima em Revista n° 10, Fevereiro de 2009. IPAM/CES-FGV


Associação internacional de governos locais e outras organizações governamentais voltada para questões ambientais, o ICLEI - Governos Locais pela Sustentabilidade conta mais de 1.000 membros em todo o mundo, entre cidades, municípios e associações.

“Nossa missão é fazer com que ações cumulativas no nível local influenciem o global”, explica a arquiteta Laura Valente, diretora-regional para América Latina e Caribe. Para tanto, o ICLEI orienta e estimula os governos locais na implementação de ações voltadas para o desenvolvimento sustentável. Por conta de sua abrangência e urgência, as mudanças climáticas tornaram-se um dos principais temas de atuação da instituição e deram origem ao projeto Cidades pela Proteção do Clima.

Nesta entrevista, Laura, que é mestre em gestão ambiental e está no ICLEI desde 2002, fala sobre o papel dos governos locais e como podem colaborar para o enfrentamento do aquecimento global.


Clima em Revista - Por que as mudanças climáticas tornaram-se foco de atuação de uma instituição como o ICLEI, voltada para o desenvolvimento sustentável no nível local?

Laura Valente - O ICLEI começou nos Estados Unidos, nos anos 1990, com um grupo representativo de governos locais, voltado para meio ambiente, sustentabilidade e, desde o início, também o clima. A inspiração foi a experiência de Toronto, no Canadá, que em 1989 já havia feito um levantamento de emissões, propôs um plano de ação e conseguiu diminuir suas emissões. A instituição é formada por um conselho democrático onde os membros têm voto.

Uma de suas primeiras iniciativas foi a coordenação do capítulo 28 da Agenda 21, sobre governos locais e, depois, o desenvolvimento do Manual da Agenda 21 Local. Ainda em 1992, com a assinatura da Convenção do Clima, o Iclei lançou a campanha Cidades pela Proteção do Clima em 14 cidades dos EUA. Com isso, criou uma metodologia que possibilitou que virasse uma grande linha de atuação do Iclei desde 1993. Basicamente consiste em um software para cálculo de emissões nos municípios cujo foco de atenção, no princípio, era o consumo, nas áreas de geração de energia, transporte e lixo.

Naquela época, a atuação era toda no Hemisfério Norte e o desmatamento e o uso do solo não eram considerados uma preocupação. Com o tempo, as atividades passaram a acontecer também nos países do Sul, num primeiro momento com recursos de projetos do Norte, através de troca de experiências. Nessa época, ainda nos anos 1990, o que mais se fez foi Agenda 21 Local. No Brasil, participaram cidades como Porto Alegre (RS), Angra dos Reis (RJ), Belo Horizonte e Betim (MG).

Clima em Revista - Especificamente com mudanças climáticas, quais são os municípios brasileiros que participam da campanha?

Laura Valente - O ICLEI foi a primeira organização em nível internacional a fazer projeto de redução de efeito estufa em nível de municípios. Hoje são mais de 700 cidades. No Brasil, onde a campanha teve início em 2000, são sete (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Betim, Goiânia, Volta Redonda e Palmas) e Belo Horizonte está entrando. Todas essas fizeram inventário de emissões, usando a metodologia desenvolvida especialmente para a América Latina, onde a campanha está presente também em Tomé, no Chile, e em Buenos Aires e Avellaneda, na Argentina.

Clima em Revista - Além do inventário, quais tipos de atividades esses municípios desenvolvem?

Laura Valente - O enfoque continua sendo em transporte, fonte de energia e lixo. Mas no Brasil, onde a energia é relativamente limpa, os principais são transporte e lixo, também por serem competência municipal. O inventário tem influenciado políticas e sido catalisador de ações que já estavam sendo empreendidas. Participar da campanha também propiciou a essas cidades conhecer experiências de outros locais. Entre os projetos implantados há mudança na frota de automóveis municipais, implantação de coleta seletiva e aterros sanitários. O aterro sanitário de Betim é modelo, por queimar metano, o que já diminui a emissão de gases de efeito estufa. Quando se aproveita a energia dessa queima, como acontece em São Paulo, é ainda melhor. Em Porto Alegre já havia trabalho para melhorar o transporte público, mas incluíram também um programa de eco-direção, para melhorar a maneira de dirigir.

Clima em Revista - No Brasil, o ICLEI está começando também um trabalho com os governos dos estados do Mato Grosso, Bahia e Pernambuco. Por que trabalhar também com essa instância?

Laura Valente - Em alguns países, é muito importante a articulação entre os municípios e o governo central. No caso do Brasil, somos uma federação de estados onde não existe uma autoridade metropolitana, embora tenhamos uma população altamente urbanizada. O governo estadual é o responsável por essa visão articulada de políticas que envolvem ações voltadas para questões como a qualidade do ar, transportes, biomas ou bacias hidrográficas. Particularmente nas questões relacionadas ao clima, essa articulação entre os três níveis de poder que os estados fazem pode ser bastante eficiente. Nesse sentido, foi criado o programa Apoiando a Ação Estadual de Enfrentamento às Mudanças Climáticas - PEClima, como parte da campanha Cidades pela Proteção do Clima, para apoiar ações de governo em torno de um assunto relevante para os estados e sua população. Um dos focos do programa é a criação e consolidação dos Fóruns Estaduais de Mudança Climática.

Clima em Revista - Por que focar no governo local é tão importante?

Laura Valente - Na verdade, os poderes são diferentes e cada nível de governo tem o seu papel, mas deve haver integração entre eles. O governo local trata das questões do dia a dia. O legislador e o executivo municipais agem diretamente na vida do cidadão. Quando agem de forma correta são mais eficazes na percepção e na educação das pessoas. As medidas municipais são mais acessíveis ao cidadão, pois as pessoas moram na cidade. O estado tem um papel muito importante, pois, como meio ambiente não tem fronteira, é a instância que faz a amarração. O governo nacional dá identidade à questão mais geral. Mas o poder transformador, sem dúvida, é maior no nível local - é o concreto.

Clima em Revista - Em geral, os municípios brasileiros já se deram conta da importância de sua atuação no combate ao aquecimento global?

Laura Valente - Absolutamente não. Fiquei até surpresa de termos conseguido sete municípios que toparam entrar na campanha e trabalhar com questões climáticas. No Brasil, por ser um país em desenvolvimento, buscamos dar ênfase na sustentabilidade local mais do que na questão climática global. Mas os municípios que participam também buscam se destacar, estar na liderança no assunto. A indiferença geral, porém, mudou bastante de 2007 para cá. Atribuo muito ao filme do Al Gore (Uma verdade inconveniente), que trouxe visibilidade ao tema, mais até do que o relatório do IPCC.

Clima em Revista - Em que medida o cidadão pode colaborar para que os municípios tenham maior protagonismo em relação às suas emissões?

Laura Valente - Hoje, o brasileiro está começando a fazer link do que está acontecendo no mundo, que é o clima global tendo impacto na vida local. Esta é apenas a primeira etapa, pois ainda não fez o link com seu comportamento pessoal e como isso contribui. É só ver os carrões que ainda compram; as pessoas são viciadas em carros. O estilo de vida urbano é em relação ao automóvel. Falta entender que o consumo é ato de poder - e ato político. Quando toma decisão sobre compra, está mexendo com todo um sistema.

Clima em Revista - Que tipo de medida a administração municipal pode adotar para diminuir suas emissões?

Laura Valente - Depende da escala do município, mas algumas medidas são universais. A primeira coisa, que é imediatamente perceptível, é educação e fiscalização no trânsito. Quando se cria um cidadão mais educado, ele vai exigir coisas melhores. O governo local precisa, também, trabalhar a mobilidade, que significa uma gestão para mobilidade e não para o tráfego de veículos, o que inclui calçadas, ciclovias, sinalização etc. Além disso, toda a estrutura municipal, que inclui lideranças e servidores, deve dar o exemplo, com medidas como: ter uma frota de automóvel limpa, não cometer infrações, ter coleta seletiva e programas de eficiência energética nos prédios públicos, ter tudo legalizado na obras e prédios públicos, praticar compras sustentáveis.