sábado, 19 de dezembro de 2009

Os Movimentos de Salvacao (Augusto de Franco)

OS MOVIMENTOS DE SALVAÇÃO QUE QUEREM SALVAR-NOS DE NÓS MESMOS

Tempo estimado de leitura: 17 minutos

‘Carta Rede Social’, ex-‘Carta Capital Social’ (e antiga ‘Carta DLIS’) é uma comunicação pessoal de Augusto de Franco enviada quinzenalmente, desde 2001, para milhares de agentes de desenvolvimento e outras pessoas interessadas no assunto, do Brasil e de alguns países de língua portuguesa e espanhola. A presente 'Carta Rede Social 204' está sendo encaminhada para cerca de 10 mil destinatários.

Augusto De Franco

No último mês – em meio à numerosíssimas atividades – cometi cerca de 350 tuitadas. Quero destacar agora algumas poucas dezenas, relacionadas à #Cop15 – a 15ª Conferência das Partes, realizada pela UNFCCC, Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima,– em curso neste momento em Copenhague.

Há uma espécie de consenso na chamada sociedade civil mundial sobre o tema. Mais do que um consenso. O que há é quase uma unanimidade, reforçada pelos grandes meios de comunicação e outras mídias, ditas sociais, sobre a importância do evento.

Não podemos saber ainda – posto que o encontro só termina amanhã – o que resultará de todo esse esforço. Alguns afirmam, com certa razão, que os resultados, sejam quais forem, já foram positivos. O mundo teria tomado consciência, numa escala jamais vista, da gravidade da situação do planeta diante das mudanças climáticas. Mas minha posição sobre o assunto é um pouco diferente da corrente.

Segundo o sugestivo resumo do site Planeta Sustentável, a COP-15 responde a uma “enorme expectativa por diversos governos, ONGs, empresas e pessoas interessadas em saber como o mundo vai resolver a ameaça do aquecimento global à sobrevivência da civilização humana”.

Pelo visto, e assim o tema vem sendo tratado, trata-se então da reunião mais importante já feita pela humanidade. Sim, pois o site esclarece em seguida:

“Não é exagero. De acordo com o 4º relatório do IPCC – Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, órgão que reúne os mais renomados cientistas especializados em clima do mundo, – publicado em 2007, a temperatura da Terra não pode aumentar mais do que 2º C, em relação à era pré-industrial, até o final deste século, ou as alterações climáticas sairão completamente do controle.

Para frear o avanço da temperatura, é necessário reduzir a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, já que são eles os responsáveis por reter mais calor na superfície terrestre. O ideal é que a quantidade de carbono não ultrapassasse os 350ppm, no entanto, já estamos em 387ppm e esse número cresce 2ppm por ano.

Diminuir a emissão de gases de efeito estufa implica modificações profundas no modelo de desenvolvimento econômico e social de cada país, com a redução do uso de combustíveis fósseis, a opção por matrizes energéticas mais limpas e renováveis, o fim do desmatamento e da devastação florestale a mudança de nossos hábitos de consumo e estilos de vida. Por isso, até agora, os governos têm se mostrado bem menos dispostos a reduzir suasemissões de carbono do que deveriam.

No entanto, se os países não se comprometerem a mudar de atitude, o cenário pode ser desesperador. Correremos um sério risco de ver:
=> a floresta amazônica transformada em savana
=> rios com menor vazão e sem peixes;
=> uma redução global drástica da produção de alimentos, que já está ocorrendo;
=> o derretimento irreversível de geleiras;
=> o aumento da elevação do nível do mar, que faria desaparecer cidades costeiras;
=> a migração em massa de populações em regiões destruídas pelos eventos climáticos; e
=> o aumento de doenças tropicais como dengue e malária.”
A última parte do texto explicativo tem como título: “COP-15: É agora ou nunca!”


MEU PONTO DE VISTA SOBRE MOVIMENTOS DE SALVAÇÃO

"Devemos ser salvos de todas as salvações
que querem salvar-nos de nós mesmos".
Hakim Bey


Meu ponto de vista não entra na controvérsia científica sobre o peso das emissões humanas de CO2 nas emissões totais do planeta para causar os efeitos catastróficos anunciados. Não trabalho com a “ciência do clima” (se é que se possa dizer que exista uma ciência sobre o assunto).

Meu ponto de vista é o da sustentabilidade da sociedade humana – não do atual padrão civilizatório –, que depende, por certo, da sustentabilidade, vamos dizer assim, bio-física (bio-química incluída, além, é claro, da dimensão biológica) dos ecossistemas, porém vai muito além disso ao fazer a pergunta-chave: o que queremos mesmo sustentar?

Parto do pressuposto de que tudo que é sustentável tem o padrão de rede. E, se estou preocupado com a rede social que constitui a sociedade humana (posto que o ecossistema planetário, de um jeito ou de outro, arrumará um jeito de se autoregular em novos patamares de estabilidade), estou principalmente preocupado com o que construímos e achamos que vale a pena manter.

No livro “Tudo que é sustentável tem o padrão de rede” (2008), já havia comentado algumas incoerências do reducionismo ambientalista ao responder por que não devemos reduzir a sustentabilidade à sua dimensão ambiental. Perdoe-me a auto-citação:

“Ao contrário do que muitos acreditam, o conceito de sustentabilidade não se aplica somente ao mundo natural, aos diversos ecossistemas terrestres e ao ecossistema planetário. A palavra sustentabilidade ficou identificada com o ambientalismo, porquanto foi estudando os sistemas naturais que percebemos, pela primeira vez, a incrível capacidade de conservação da adaptação e da organização que caracteriza os seres vivos, sejam eles organismos, partes de organismos ou ecossistemas. Nos últimos vinte anos, entretanto, percebemos que a sustentabilidade não é apenas uma dimensão ambiental (no sentido do meio ambiente natural) do desenvolvimento e sim o novo nome do próprio desenvolvimento sob uma perspectiva sistêmica, englobando todas as suas outras dimensões, inclusive a social.

Percebemos que a chamada “teia da vida” é uma estrutura capaz de regular as mudanças de modo a contribuir para a sustentabilidade, não porque é um sistema biológico e sim por ser um sistema complexo adaptativo, organizado em rede. Ou seja, começamos a perceber a existência de relações intrínsecas entre os padrões de organização em rede e os processos de sustentabilidade. Percebemos ainda, no tocante às sociedades e às organizações humanas, a existência de um nexo entre as mudanças sociais que interpretamos como desenvolvimento, as redes como padrão de organização e a democracia como modo de regulação de conflitos. A democracia começou, então, a ser compreendida como uma espécie de “metabolismo” próprio de redes sociais distribuídas.

Assim, quando a sustentabilidade emerge como o grande tema contemporâneo, não é apenas em razão dos perigos iminentes que ameaçam nossa sobrevivência como espécie ― como o aquecimento global ―, causados, em parte, pela falta de preservação ou de conservação dos recursos naturais. O desafio da conquista da sustentabilidade entra na pauta das sociedades como uma espécie de síntese de outros desafios relacionados com os padrões de organização e de convivência social. Sociedades só se transformarão em comunidades sustentáveis à medida que seus padrões de organização e de convivência social forem capazes de constituir ambientes favoráveis ao desenvolvimento humano e social, o que depende ― não há como negarmos ― da maneira como as pessoas interagem e de como regulam seus conflitos. De sorte que, hoje, já podemos afirmar que a sustentabilidade das sociedades humanas é o novo nome do desenvolvimento, uma característica do padrão dinâmico de rede e, ao mesmo tempo, um dos efeitos do processo de democratização. Tal compreensão, todavia, ainda está muito pouco difundida...”

No mesmo texto prossegui argumentando nessa linha, respondendo a questão: por que não devemos dirigir todas as nossas preocupações com a sustentabilidade para “salvar o planeta”?

“Quando falam de sustentabilidade, freqüentemente, as pessoas se esquecem de especificar a que sustentabilidade estão se referindo. Seria a do planeta (e aí nos dá vontade de fazer uma provocação: por que não a do sistema solar, a da galáxia ou a do quadrante em que nos situamos neste universo)? Se não for essa, seria, então, a da vida na Terra ou a da biosfera? Ou será que nossa preocupação é com a sustentabilidade do ser humano como espécie? Mas não seria mais pertinente... nos preocuparmos com a sustentabilidade das sociedades humanas, e, por conseqüência, das organizações que a compõem...?

Ainda que os padrões (ou os mecanismos ou os processos) de sustentabilidade possam ser semelhantes, os desafios são diferentes, dependendo do âmbito a que nos referimos. E misturar as coisas, achando que organizações serão sustentáveis caso se dediquem à proteção do meio ambiente (natural), não ajuda muito. Tudo indica que tal providência não é suficiente: uma empresa pode trabalhar o quanto quiser em prol da conservação ambiental, mas nem por isso terá garantida a sua sustentabilidade organizacional. E é duvidoso que suas ações possam contribuir para salvar a vida na Terra. É mais fácil que o planeta se canse de nos salvar, como, aliás, ele tem feito, há milhões de anos...

O planeta vivo ― Gaia, na hipótese dos cientistas James Lovelock e Lynn Margulis ― tem uma capacidade incrível de conservar sua adaptação e sua estrutura básica. “A vida ou a biosfera regula ou mantém o clima e a composição atmosférica em um nível ideal para si mesma”: essa é a hipótese Gaia. O problema, como argumenta Lovelock (1991), é que uma parte de Gaia, composta pelo “restante da criação... moverá inconscientemente a própria Terra para um novo estado, um estado no qual nós, seres humanos, poderemos não mais ser bem-vindos”.

Lovelock não está preocupado com a vida em geral, que permanece protegida (dentro de certos limites temporais) por um eficiente mecanismo auto-regulador, e sim com a vida humana. Essa, sim, corre sério risco de desaparecimento; não por más, mas por boas razões do ponto de vista do sistema vivo global: se os seres humanos forem sacrificados por Gaia, o serão por efeito colateral de um processo que visa, sobretudo, garantir a vida na Terra.

Não estamos obrigados a aceitar os juízos políticos que Lovelock deriva dessa espécie de determinismo biológico fatal. Em um prefácio de 2004, ao livro Gaia: medicine for an ailing planet, ele faz um apelo a todos os ambientalistas para que:

“Ponham de lado os seus temores sem fundamento [por exemplo, em relação ao progresso científico-técnico na sintetização de alimentos ou na utilização da energia nuclear] e a sua obsessão exclusiva em relação aos direitos humanos [e essa é uma conclusão, digamos, pelo menos temerária, em um tipo de civilização como a que vivemos]... Sejamos corajosos o bastante ― exorta Lovelock ― para reconhecer que a verdadeira ameaça provém dos danos que causamos ao ser vivo que é a Terra, da qual fazemos parte, e que é realmente o nosso lar”.

Sim, mas essa não é a única “verdadeira ameaça”: estamos diante de várias outras ameaças, que não podem ser consideradas como não tão verdadeiras.”

Sim, a vida é um valor principal. Mas não o único. Continuei argumentando para mostrar por que não devemos avaliar que o que está em risco é apenas a vida como realidade biológica.

“Lovelock endossa as palavras do seu cientista-chefe, Sir David King, que declarou, no início de 2004, nos Estados Unidos, “que o aquecimento global é uma ameaça maior do que o terrorismo”. Talvez até seja, mas isso não pode desviar nossa atenção das ameaças à democracia e ao desenvolvimento humano e social sustentável, que são tão verdadeiras e tão presentes quanto a ameaça do aquecimento do planeta.

Não é uma questão de comparar riscos. É claro que o desaparecimento da espécie humana anulará todas as preocupações humanas. Mas, de certo modo, algum dia, nossa espécie desaparecerá mesmo: pelo menos neste planeta, com a extinção do nosso Sol que deixará de ser uma estrela amarela daqui a aproximadamente 5 bilhões de anos; ou nesta galáxia, que está marcada para morrer (como já sabemos, nossa Via-Láctea está em rota de colisão com a galáxia de Andrômeda, a 125 quilômetros por segundo e o desastre ocorrerá nos próximos 10 bilhões de anos); ou neste universo, com “Big Crunch”.

Ocorre que, por meio do que chamamos de social, estamos construindo um mundo humano, que tem como base o mundo natural, mas que não é conseqüência do mundo natural. A tentativa humana de humanizar o mundo ou, para usar uma expressão poética, de humanizar a “alma do mundo” por meio do social, é uma espécie de segunda criação. Para quem pensa assim, a vida é um valor principal, mas não o único: certos padrões de convivência social, além da vida (biológica) ― como a cooperação ampliada socialmente ou a vida em comunidade, as redes voluntárias de participação cidadã e a democracia na base da sociedade e do cotidiano do cidadão ― também constituem um valor inegociável, quer dizer, um valor que não pode ser trocado pelo primeiro.

Vamos caricaturar um pouco uma hipotética situação de escolha para mostrar o sentido do argumento. Se alguém nos dissesse que, para continuar existindo como espécie, nós, os seres humanos, nunca mais poderíamos materializar, em nossa convivência social, a cooperação, o voluntariado, as redes e a democracia, a troca valeria a pena? Quem de nós poderia aceitar tal trade off, condenando nossa espécie a viver, por exemplo, não apenas mil anos, mas, digamos, um milhão de anos ou mais, naquele III Reich com que sonhavam Hitler e seus colaboradores sociopatas e psicopatas?

Em outras palavras, não podemos esquecer tudo isso para agora nos dedicarmos somente a tentar retardar o desaparecimento biológico da espécie. Não vale ser salvo da destruição para viver em um mundo desumanizante.

Isso não significa que agora devemos descurar das ameaças ambientais. Mas se nossa preocupação é com a sustentabilidade das organizações humanas que fazem parte da sociedade... os fatores propriamente humanos e sociais devem ter um peso tão decisivo quanto (ou até mais decisivo que) os fatores naturais (ambientais), não?

Surpreendentemente, aquilo que devemos preservar é, justamente, o que pode nos preservar como sociedade tipicamente humana. Cooperação, voluntariado, redes e democracia (em suma, tudo o que produz, relaciona-se ou constitui o chamado capital social) são os elementos da nova criação humana ― e humanizante ― do mundo, que lograram se configurar como padrões de convivência social, que vale realmente a pena preservar. E são esses os elementos que podem garantir a sustentabilidade das sociedades humanas e das organizações que a compõem.

Eis a razão pela qual a sustentabilidade das sociedades humanas não pode ser alcançada apenas com a adoção de princípios ecológicos (como querem os defensores ambientalistas ou ecologistas da sustentabilidade), porque, no caso das sociedades, trata-se de um outro mundo (humano-social) que tem como base o mundo natural, mas que não é conseqüência dele.

E vale a pena repetir: a vida é um valor principal, mas não o único. Os padrões de convivência social, além da vida (biológica), também constituem um valor inegociável, quer dizer, um valor que não pode ser trocado pelo primeiro.

Assim, do ponto de vista da sustentabilidade global ― do meio ambiente natural planetário e das sociedades humanas ― desenvolvimento humano e social e democracia parecem ser tão importantes quanto ecologia”.

Para concluir a citação – na verdade uma extensa transcrição – escrevi em outra passagem:

“Os que se dedicam a tratar do tema da sustentabilidade, quer do ponto de vista do ambientalismo ou da ecologia, quer do ponto de vista da responsabilidade corporativa, esquecem-se completamente da política [e, por conseguinte, acrescento agora, da democracia]. É como se as mudanças necessárias para a conquista da sustentabilidade pudessem ocorrer independentemente dessa dimensão (política), quem sabe pelo poder intrínseco das boas idéias ou, talvez, pela conversão das almas por meio do proselitismo dos adeptos da nova religião laica da sustentabilidade.

Não é por acaso que nos textos sobre sustentabilidade dos que partem de um ponto de vista exclusivamente ambientalista, não costuma aparecer a palavra democracia. Em suas antevisões da sociedade planetária sustentável do futuro, parece não haver muito lugar para a política democrática. É o caso, por exemplo, do conhecido texto Esboços de uma sociedade planetária sustentável, de Fritjof Capra e Ernest Callenbach. Para seus autores, não é por meio da política que construiremos a tal sociedade do futuro (o paraíso da sustentabilidade na Terra): tudo se arranjará pelo avanço da compreensão do funcionamento dos ecossistemas. Até mesmo “as diferenças ideológicas se dissiparão frente à consciência de que a Terra é o nosso lugar comum, não importando os nossos diferentes antecedentes culturais et coetera”. Ou seja, para esses autores, não é o aprendizado coletivo resultante da experimentação de novas formas de organização e convivência com as diferenças humanas, como resposta aos desafios de conservar a adaptação a um ambiente que muda continuamente, que tornará nossas sociedades mais sustentáveis e sim uma consciência que surgirá pelo conhecimento da natureza e se imporá como novo padrão ético universal. Eis um novo platonismo que, como qualquer platonismo, despreza a política”.

Bem, vamos começar então.


SOBRE O SIGNIFICADO DE MINHAS TUITADAS

1 - Em primeiro lugar vem o questionamento do transformacionismo:

Transformacionismo: essa mania de fazer, fazer, fazer... Como se nosso ativismo primário pudesse substituir as complexas dinâmicas das redes.

Os caras que querem transformar a sociedade: como se sua inteligência individual pudesse se antecipar ou substituir a inteligência coletiva...


2 - E a crítica das saídas únicas e das grandes narrativas totalizantes:

O que as velhas cabeças não entendem é que não há saída se não mudarmos o padrão de organização. E não haverá mais UMA saída, UM caminho...

Não se trata mais de conduzir o povo (as massas) para UM lugar, seguindo UM líder, UMA plataforma, UMA bandeira...

Novas alternativas surgirão (no plural) por emergência: miríades de atores em rede em um mundo glocalizado, múltiplos caminhos.

Parece que, órfãos das velhas utopias igualitaristas, precisamos desesperadamente de uma nova narrativa totalizante...

Queremos nos agarrar a algo que nos dê um sentido qualquer ao invés de construirmos múltiplos sentidos por meio da nossa interação.


3 – Declaro minha posição contrária à atitude catastrofista e ao tratamento ideologizante (religioso) do tema:

Sou a favor de todas as medidas para conservar dinamicamente nossos ecossistemas. Mas não me venham com catastrofismos ambientalistas!

O aquecimento global é a primeira religião (conquanto laica) erigida sobre pressupostos científicos. Qual é o problema?

O problema é que a ciência do clima é complexa, suas conclusões são ainda controversas e o "fiel" não consegue ter acesso a seus princípios.

Uma pessoa comum não consegue entender as divergentes hipóteses científicas sobre o aquecimento. Resta, portanto, crer sem saber = #religiao.


4 - Cito então dois textos importantes sobre o assunto, de David de Ugarte, que vão mais ou menos na mesma linha:

David de Ugarte: "Los orígenes ideológicos del catastrofismo verde" http://vai.la/pK3

David de Ugarte: "Cambio climático: Historia de un Deicidio" http://vai.la/pMC


5 - E cito também um texto que escrevi, em dezembro de 2008, com a colaboração, entre outros, de Humberto Maturana e do Instituto Matriztico, Rodrigo Rocha Loures e Gina Paladino:

Terms of reference regarding sustainability http://vai.la/pZB


6 - Adianto então qual deveria ser, na minha opinião, o referencial conceitual para um tratamento sistêmico da questão:

Na verdade, como diz o Maturana, precisamos encontrar um novo padrão de interação entre antroposfera (eu diria sociosfera) e biosfera.


7 - Acrescento que a solução será glocal, não global:

#cop15 Um modelo que prevê uma centralização como o Climate Leaders Summit não reflete uma sociedade em rede cada vez mais distribuída.

A solução para desequilíbrio causado por intervenções antrópicas será glocal: modelo global centralizado por Estados-nações é anacrônico.

Harmonizar antroposfera (ou melhor, sociosfera) com biosfera é um processo que só pode se realizar a partir do local.


8 - E que é necessário rever as “verdades” do final do século 20:

Hora de rever as "verdades" do final do século 20 (1): O mundo virou uma aldeia global? Não. Está virando miríades de aldeias globais.

Hora de rever as "verdades" do final do século 20 (2): Pensar globalmente e agir localmente? Não. Pensar e agir glocalmente!

As "verdades" do final do século 20 (3): Sustentabilidade é resguardar recursos para as futuras gerações? Não. É fluir com o curso...

Rever as "verdades" do final do século 20 (4): Pobreza é insuficiência de renda? Não. É falta de conexões e atalhos entre clusters.


9 – Argumento que, em uma sociedade-em-rede, não podemos ficar insistindo em soluções centralizadas:

Cada localidade deve ter como horizonte estratégico controlar suas emissões produzindo a energia que consome. Mas é muito mais do que isso...

Controle de emissões, produção de energia (limpa) e sua distribuição devem ser feitas de modo distribuído: não centralizado ou descentralizado.


10 - Critico a forma do COP-15, a idéia de que seu tema deva ser resolvido pelos chamados “líderes mundiais” e a própria idéia de liderança:

O grande objetivo [do COP-15] é mudar a matriz energética e os padrões de produção e consumo ou conseguir mais dinheiro dos ricos?

A África fez birra? A história da ajuda internacional está farta de exemplos de desvios por parte das corruptas elites políticas africanas.

Toda essa discussão em Copenhague ocorre em um modelo antigo de assembléia-arena de confronto de interesses, cercada por grupos de pressão.

O efetivo tratamento das ameaças ambientais (não só as mudanças climáticas) tem que se dar no local. O mundo não existe. O glocal é fractal.

Duas centenas de chefes de Estado não podem mais representar um mundo de milhares de localidades http://migre.me/es2p

Deveríamos estar conectando cidades que implementam soluções mais do que promover megaeventos adversariais na linha Seattle-99

Acho engraçada essa mania de chamar chefes de Estado de líderes mundiais. O escambau! São apenas pessoas eleitas ou que empalmaram o poder.

Aliás, a própria idéia de liderança - via-de-regra como monoliderança - está assentada sobre bases maléficas: anti-sociais e não-humanas.

Sim, existe liderança emergente (mas sempre multi-liderança)... Ninguém pode ser líder para sempre e em todos os assuntos por força do cargo.

Algo mais parecido com um líder (não-imposto) é aquele personagem interpretado por Avner Eisenberg no filme "A Jóia do Nilo" (1985).

Jerônimo (e todos os outros Nant'ans Apaches) eram líderes emergentes. Já Montezuma era apenas um chefe de Estado. Rede ≠ pirâmide.

Todo esforço de exercer voluntariamente liderança é uma tentativa de manipulação do outro (mesmo quando não se tem consciência disso).

A experiência consciente de liderar é instrumentalizadora: usa o outro, faz dele um meio para nossos desígnios, torna-o objeto.


11 - Critico o participacionismo-assembleísta da chamada sociedade civil mundial, ressaltando a incoerência de suas formas de organização:

Sabe-se que tudo que é sustentável tem o padrão de rede. Mas 90% da turma que diz querer sustentabilidade se organiza hierarquicamente...

Mais de 22 mil representantes da nova burocracia associacionista das ONGs foram lá salvar o mundo. Quantas se organizam em rede? Menos de 1%!

" - Ah! Augusto! Qual a importância disto (se organizar em rede)? O importante é que elas (as ong-piramidezinhas) querem nos salvar".

Pois é. Mas tudo que é sustentável tem o padrão de rede. Não vai adiantar cortar 0,X% [das] emissões de CO2 se continuarmos construindo pirâmides.


12 - Afirmo que, conquanto seja correta e oportuna sua colocação, o tema das mudanças climáticas está sendo instrumentalizado:

Há risco para a vida humana, sim, nas mudanças climáticas. Mas o tema está sendo instrumentalizado. Por quem? Eu digo...

O tema das mudanças climáticas está sendo instrumentalizado: a) por políticos em busca de uma grande causa para não sair da ribalta...

O tema das mudanças climáticas está sendo instrumentalizado: b) por burocracias de organismos internacionais que precisam se legitimar.

O tema das mudanças climáticas está sendo instrumentalizado: c) por cientistas que precisam de verbas para continuar empregados.

O tema das mudanças climáticas está sendo instrumentalizado: d) por organizações não-governamentais que precisam de financiamento.


13 - Sustento que a vida social pode estar ameaçada num prazo bem mais curto (do que a vida biológica) em virtude, sobretudo, dos ataques à democracia e aos valores que construímos:

A vida humana propriamente social (naquele sentido que Maturana atribui ao termo 'social') pode estar ameaçada num prazo bem mais curto.

Esses assim chamados "líderes" que ora se reúnem para salvar o planeta são - em boa parte - adversários da democracia em seus países.

Não pode haver desenvolvimento sustentável sem democracia. A ideologia ambientalista está contribuindo para retirar relevância da democracia.

Diante da catástrofe ambiental iminente, todos se igualam "por baixo" em termos políticos. A nova realpolitik nivela ditadores e democratas.


14 - Exemplifico com o primeiro parágrafo de um artigo publicado em 15/12/09 no Wall Street Journal:

B. Stephens no Wall Street Journal, resume o que venho tentando dizer: "Chávez and Ahmadinejad will address the U.N.'s climate summit...

...Say what you will about these two gentlemen — the support for terrorists, the Holocaust denial, the suppression of civil liberties...

...—at least nobody can accuse them of being global warming "deniers".


15 - Insisto, para terminar, na questão central dos valores que construímos e que queremos preservar:

É incrível! Como não estamos percebendo que o catastrofismo destrói as bases de qualquer construção ética?

Se o mundo herdado (biológico) vai se acabar, perdem relevância os valores humanizantes para a construção do mundo almejado (social).

A cooperação, a gratuidade, as relações horizontais, a democracia vão ficando menos importantes do que a "salvação" do substrato biofísico.

Bem, organizados os twetts desse jeito, talvez fique mais fácil entender o que eu queria dizer.

Até a ‘Carta Rede Social 205’ e um abraço do

Augusto de Franco

augusto@augustodefranco.com.br

http://escoladeredes.ning.com


17 de dezembro de 2009.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Islandia: A Grande Ilusao

http://christypato.wordpress.com/2009/02/08/islandia-a-grande-ilusao-joao-moreira-salles/

Sustentabilidade é aprender com as práticas não-sustentáveis para não cair nos mesmos erros.

No link acima, leia uma magnifica reportagem de João Moreira Salles, de fevereiro de 2009, publicada na revista Piauí, sobre a Islândia - pequeno país nórdico que, tendo se destacado por seu ousado crescimento bancário, foi reduzido às cinzas, com a crise econômica do "setembro negro" de 2008.

Curiosamente, essa mesma Islândia vendeu para uma companhia privada todo o código genético de sua população, para pesquisa científica (já que se trata de um povo bastante homogêneo, descendente dos vikings).

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Por que ler Peter Drucker?

Por que ler Peter Drucker?
Porque é possível aprender tanto com suas ideias quanto com a disciplina mental usada para formulá-las
Alan M Kantrow
Harvard Business Review Brasil, novembro 2009 <íntegra disponibilizado gratuitamente>


A extensa obra de Peter Drucker, que inclui mais de 30 ensaios para a HBR, é um marco no campo da administração. Há décadas influencia a prática e o ensino da gestão e é presença obrigatória na biblioteca de muita gente. Mas alguém lê tudo isso? Ou, melhor ainda, deveria ler? Ainda mais importante, o que alguém ganha com a leitura de Drucker?

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Neste artigo publicado originalmente em 1980, mas inédito na edição brasileira, o autor sustenta que a verdadeira contribuição de Drucker para a disciplina da administração está menos no valor de face de suas ideias e mais no rigor intelectual com que são formuladas. Seria possível aprender mais - e mais profundamente - observando Drucker pensar do que estudando o conteúdo de suas ideias. O autor mostra como o processo mental de Drucker (amplamente contextual, lógico e holístico) encena um drama permanente de perspectiva que, combinado à imparcialidade e a um fluxo natural de raciocínio, é tão eficaz em convencer o leitor. Kantrow classifica a obra de Drucker em quatro grupos - pensamento social e político, análise da administração e de empresas, conjectura sobre contornos do futuro e manuais de gestão - e explica como escolher o melhor livro para cada caso.

O artigo de Kantrow é acompanhado de depoimentos de cinco líderes sobre a influência que Drucker exerceu em cada um: A.G. Lafley, da Procter & Gamble; Frances Hesselbein, do Leader to Leader Institute; Oscar Motomura, da Amana-Key; Peter Paschek, da Delta Management Consultants; e Zhang Ruimin, da Haier. Colocamos esses depoimentos como comentários, que valem a pena ser lidos.
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À menção do nome Peter Drucker, muita orelha na floresta empresarial se põe em pé. Ao longo dos anos, pouca coisa de relevância para a atividade empresarial fugiu a seu extraordinário campo de interesses e poucas dessas matérias escaparam a uma refletida, e não raro clássica, exposição na extensa prateleira de artigos e livros de sua autoria.

Tamanha produtividade é, em si, um feito profissional de primeira grandeza. A isso se somam, contudo, as inúmeras aparições de Drucker em congressos para executivos, em conferências, em salas de aula; seu extenso trabalho como consultor; e sua facilidade para exprimir ideias complexas de modo simples e elegante. Não surpreende que a menção do nome Peter Drucker costume garantir atenção. As pessoas ouvem porque respeitam a autoridade da experiência - depurada, analisada, articulada - e porque desejam aprender com ela.

Há, é claro, quem não ouça Drucker com tanta atenção. Alguns, sobretudo no meio acadêmico, o consideram mais jornalista do que pensador, e mais generalista superficial do que jornalista. Para eles, sua pesquisa não tem nada de pesquisa e suas ideias sobre a administração são desestruturadas e (pior pecado de todos) assistemáticas. A seu ver, Drucker é um filósofo diletante desprovido de credenciais práticas como alguém que faz.

Num extremo, creem que não possui nem interesse nem competência sobre o sem-fim de detalhes das operações de uma empresa no dia a dia e, portanto, questionam a autoridade normalmente conferida a seu juízo.

No outro extremo, os seguidores mais atentos de Drucker, assim como os de muitos pensadores populares, exageram seus poderes. Fragmentos descontextualizados de seus escritos ou de suas conversas volta e meia são usados para sustentar argumentos que ele próprio não endossa. Na mesma veia, discípulos fervorosos demais reduzem a complexidade de seu pensamento a um punhado de ideias canônicas que, em sua simplicidade doutrinária, agridem o original.

Verdade seja dita, a obra de Drucker se presta a essas reações extremadas. Ao se apoiar em certas ocasiões sobre noções sugestivas - mas incompletas - como o “coeficiente de contribuição”, Drucker cria um terreno fértil para a oposição acadêmica.(1) Já ao buscar um estilo conciso e epigramático, acaba fazendo o jogo daqueles que se satisfazem facilmente com frases feitas e meias verdades. é retoricamente memorável afirmar, como faz Drucker, que “a maioria do treinamento em vendas é totalmente injustificada. Quando muito, transforma um imbecil em vendedor incompetente”. Mas a mesma declaração dá um tremendo estímulo ao displicente desprezo de um problema eternamente espinhoso.

O recurso a slogans, em qualquer circunstância, é uma faca de dois gumes. Usado com cuidado, permite a penetração rápida e incisiva da ideia; nas mãos erradas, torna-se uma arma eficaz do raciocínio simplista ou incoerente.

A influência das ideias

Em geral, no entanto, a obra de Drucker não atrai atenção nem pelo estoque de aforismos nem pelo domínio de cálculos técnicos. Os ouvidos param, isso sim, para apreender a sabedoria das ideias que movem Drucker. Sua acolhida pelo público é tão geral e sua influência tão duradoura que muitas dessas ideias são, hoje, parte indissolúvel do ideário comum da atividade empresarial. O resultado é que não é fácil - nem em retrospectiva - obter uma distância crítica delas.

É incrível a familiaridade atingida por sua visão da sociedade industrial moderna como constituída por organizações de larga escala. Quão óbvio parece, hoje, encarar a empresa como a instituição representativa dessa sociedade, e que natural passou a ser o exercício de aplicar, à empresa, os mesmos modos de análise válidos para qualquer instituição social ou política.

Houve um tempo no qual não se indagava regularmente de cada empresa qual sua fonte de legítima autoridade, seu princípio de organização ou seu padrão de liderança? Houve um tempo no qual a gerência sentia pouca necessidade de lidar com a preocupação de funcionários com seu status e sua função, de inserir o “trabalhador do conhecimento” em estruturas estabelecidas de tomada de decisão e comando, ou de garantir uma comunicação eficaz em (e entre) escalões da gestão?

A propósito, alguma vez a empresa não levou a sério a seleção e o desenvolvimento de executivos, o correto papel do conselho de administração ou as necessidades especiais da empresa em cada estágio de desenvolvimento? Não deu a devida atenção à lógica interna do trabalho propriamente dito ou às técnicas pelas quais o gestor pode se tornar a um só tempo mais eficiente e mais eficaz? Ignorou questões fundamentais como a natureza da atividade que exercia e dos clientes que servia?

Hoje, dificilmente é capa de jornal, pelo menos na comunidade empresarial, um executivo defendendo o lucro como indicador objetivo do desempenho econômico ou como prêmio essencial contra os riscos do futuro. Tampouco causa espanto ver o comando da empresa convocado a refletir sobre a estratégia de longo prazo, além de definir objetivos de curto prazo. Uma voz instando a empresa a planejar a inovação já não é uma voz clamando no deserto.

Que nada disso pareça novidade - que seja tudo bastante corriqueiro - é prova indiscutível da generalizada influência de Drucker, direta ou indireta, sobre o pensamento administrativo. Há muito essas ideias foram aceitas como uma espécie de sabedoria popular da profissão: viraram verdades in­questionáveis.

Contribuição de Drucker.

Verdade seja dita, poucas dessas ideias tiveram origem com Drucker. Um número ainda menor escapou de ser abordado em pelo menos uma dúzia de textos de gestão. Sempre há, contudo, valor em reencontrar uma ideia sensata apresentada com sensatez. Mas, se a substância de seus livros não é nem original nem única, se o que oferece é, quando muito, nem mais nem menos do que o conteúdo prontamente parafraseável de sua mente, por que se dar ao trabalho de lê-los? Por que, em suma, ler Peter Drucker e não um resumo simplificado de suas principais ideias?

A resposta é simples: a verdadeira contribuição de Drucker para a compreensão da gestão reside menos no valor de face de suas ideias do que na rigorosa atividade mental pela qual essas ideias são formuladas. é possível aprender mais - e mais profundamente - observando Drucker pensar do que estudando o conteúdo de seu pensamento.

Raciocínio integrado

A maioria dos críticos avalia a considerável contribuição da obra de Drucker para a disciplina da administração profissional. Mas o pensamento de Drucker tem muito mais valor pela forma do que pelo conteúdo. Primeiro, há a característica definitivamente integradora. Para entender tarefas essenciais da gestão, Drucker mostra pelo exemplo que é necessário contextualizá-las. é preciso entender o universo histórico de tradições e estruturas do qual surgiram e o universo cultural de normas e valores ao qual pertencem. é preciso conhecer as muitas formas assumidas pelo capitalismo ao longo do tempo e as vantagens particulares de cada uma delas. é preciso estar ciente de ideologias econômicas alternativas e das premissas em sua base. Em suma, é preciso saber reconhecer grandes mudanças em aspirações humanas bem como os limites fixos da adaptação humana.

É preciso, ainda, estar atento à velocidade, à direção e à lógica de mudanças tecnológicas e demográficas que tornarão o futuro muito distinto do presente. é preciso, ao mesmo tempo, averiguar bem o que no presente irá durar. Também é importante complementar a compreensão da gestão com insights de outros campos do conhecimento, comparando-a regularmente com uma síntese da experiência de outras organizações de larga escala e de culturas distintas.

Quando aplicado a um problema, por mais espinhoso que seja, esse raciocínio integrativo permite a Drucker identificar as principais premissas em pauta, a estabelecer suas relações mútuas e a avaliá-las. Peguemos, por exemplo, sua longa discussão sobre a maldição da empresa de grande porte em Concept of the Corporation.(2) Aqui, Drucker evita os excessos desnecessários daqueles que ou defendem ou atacam o porte descomunal de certas empresas. Como? Buscando a raiz de sua premissa operacional e mostrando o sério equívoco nela embutido.

Conscientemente ou não, a maioria dos detratores do gigantismo, descobre Drucker, está na verdade brigando contra os moinhos de vento do monopólio; seus defensores, protegendo-os. Agora, monopólio e gigantismo obviamente não são a mesma coisa e não devem ser confundidos. Mas Drucker consegue esmiuçar ainda mais o ponto em questão e, com isso, desafiar sua base histórica, não só lógica. “Essa teoria do monopólio”, escreve, “ainda é muito aceita como verdade divina e repousa na premissa - correta no século 18 - de que a oferta será sempre limitada, ao passo que a demanda será sempre ilimitada.” (3)

Essa hipótese nem sempre se sustenta. Pode valer para certos períodos históricos, mas não necessariamente para todos. Por conhecer o significado tradicional de monopólio e as diferenças estruturais entre condições econômicas passadas e presentes, Drucker consegue focalizar de novo uma discussão errante.

Outros exemplos se sugerem por si só. Em The End of Economic Man, Drucker compreende o sentido por trás do apelo aparentemente irracional do fascismo ao reconhecer o contexto histórico de suas ideias.(4) Segundo Drucker, a Grande Guerra e a Grande Depressão destruíram a já abalada fé da Europa num sistema econômico autônomo, regido por leis racionais e fonte tanto de liberdade como de igualdade. Quando a visão de mundo racional herdada da economia clássica ruiu, o fascismo assumiu o controle da mente europeia precisamente por ser “irracional” - ou seja, por sugerir uma base não econômica para o status e a posição do indivíduo. Drucker chega ao âmago desse fenômeno do século 20 ao entender a súbita irrelevância de sistemas de pensamento anteriores.

Uma compreensão similar caracteriza seus muitos obiter dicta sobre o marxismo, bem como seu famoso ensaio sobre John Maynard Keynes. Drucker escreve:

“A obra de Keynes foi fundada na constatação de que premissas fundamentais da economia do laissez-faire do século 19 já não se sustentam em uma sociedade industrial e uma economia do crédito. Mas visava à restauração e à preservação das crenças básicas, das instituições básicas da política do laissez-faire do século 19; acima de tudo, visava à preservação da autonomia e do automatismo do mercado. Já não havia como juntar os dois em um sistema racional; as políticas de Keynes são feitiços, fórmulas mágicas e encantamentos para fazer com que o sabidamente irracional se comporte racionalmente”.(5)

Muito disso vale também para o pensamento de Marx, que trata como um fato universal condições limitadas a uma breve fase do desenvolvimento industrial.

Implicações tecnológicas.

O raciocínio integrativo de Drucker também lança luz sobre os deveres especiais impostos pela tecnologia à empresa moderna. Graças a sua ampla familiaridade com a história do desenvolvimento industrial, Drucker pode argumentar em Tecnologia, Gerência e Sociedade que houve uma gigantesca “mudança geral na natureza do trabalho tecnológico durante [nosso] século” - mudança em estrutura, custos, métodos e bases conceituais.(6) Drucker está perfeitamente ciente, por exemplo, de que as qualidades profissionais e institucionais do trabalho tecnológico são fundamentalmente novas, bem como as despesas de capital exigidas, que crescem em proporção geométrica. Entende as implicações de uma transição mais demorada da pesquisa para a aplicação prática e enxerga a necessidade de uma relação basicamente nova entre ciência e tecnologia. Reconhece, também, o perigo da abrupta compressão de ciclos de vida habituais de produtos.

Agora, mais do que nunca, a tecnologia exige da empresa adaptação ferrenha a circunstâncias objetivas e compromisso cada vez mais vigilante com propósitos sociais supremos. Para ter sucesso - até para sobreviver - sob tais condições modernas, a empresa precisa entender e cumprir essas duas obrigações. é preciso a síntese druckeriana da história tecnológica e industrial para deixar clara essa tão equilibrada conclusão.

Tomada de decisões no Japão.

O exemplo mais impressionante desse raciocínio integrativo talvez seja a minuciosa análise que Drucker fez do processo decisório em empresas japonesas.(7) O uso de evidências de uma cultura tão distinta desperta interesse não só pelo fato em si, mas também por colocar práticas americanas em maior relevo. No Japão, descobre Drucker, o processo decisório difere do americano em três aspectos essenciais: (1) decisões tendem a ser grandes - ou seja, têm a ver com questões de vasta importância; (2) para tomá-las, gasta-se uma quantidade incomum de tempo para a diligente obtenção de consenso entre todos os interessados; e (3), uma vez tomadas, rapidamente se convertem num curso de ação - curso em geral radicalmente em choque com a política anterior.

Por sua longa familiaridade com o jeito japonês de trabalhar, Drucker sabe que essa sequência aparentemente inexplicável de morosidade e velocidade máxima faz total sentido, ainda que não soubéssemos. Diferentemente do executivo americano, cujas decisões normalmente focam os méritos de uma única alternativa e cujas preocupações são mais táticas do que estratégicas, os japoneses se empenham, primeiro, em definir a exata natureza da questão em pauta. Só então analisam metodicamente todo curso de ação disponível. Embora consuma bastante tempo, esse processo garante que a decisão por fim tomada tenha sido “previamente vendida”. Estabelecido esse consenso, todo gestor envolvido sabe qual é a decisão, o que significa e o que é necessário para que funcione.

O executivo americano, em comparação, normalmente não se disciplina para considerar todas as alternativas possíveis. Pior ainda, em geral não se obriga a refletir sobre a natureza da questão a sua frente. O resultado é que suas decisões muitas vezes tratam de sintomas e quase sempre têm de ser “vendidas” depois de tomadas. Embora as concessões feitas sejam mais ou menos equivalentes às implícitas em qualquer consenso japonês, são estruturalmente deficientes de um jeito que as japonesas não são. Por sucederem o fato, as concessões americanas e os inevitáveis trade-offs que envolvem podem virar de pernas para o ar a lógica sistemática da decisão original; por antecederem o fato, concessões feitas pelos japoneses estão, por definição, incluídas - e computadas - na decisão em si.

Contexto e lógica

O processo decisório no Japão e nos Estados Unidos, o impacto da moderna tecnologia, as ideias de Keynes e Marx, o apelo do fascismo, a maldição do gigantismo - a mente de Drucker aborda cada um desses tópicos de modo bastante parecido. Para Drucker, uma ideia tem tanto um contexto histórico (ou cultural) externo como uma lógica de argumentação interna. O primeiro aspecto dá à ideia suas premissas definidoras e seu vocabulário conceitual; o segundo, sua cogência sistemática. O primeiro a situa no tempo e no espaço; o segundo faz com que seja mais geralmente aplicável. O primeiro sublinha sua relatividade; o segundo destaca sua universalidade. Drucker não nega a tensão entre contexto e lógica. Ao examinar ambos de perto, é reiteradamente capaz de definir os termos relevantes da discussão, reduzi-los a princípios primeiros, revelar premissas ou inferências incorretas e identificar contradições ocultas.

Drucker aborda a questão de salários e política salarial, por exemplo, de modo a expor as premissas iniciais de empregado e empregador, bastante distintas. Ataca a arbitrariedade do período contábil anual, apontando para a grande distância entre uma convenção abstrata e a realidade que esta pretende representar. Mostra que os critérios típicos de promoção na gerência são estruturalmente contraditórios - ou seja, em conflito com objetivos econômicos inarredáveis. Em cada caso, a cabal recusa de Drucker a aceitar convenções por seu valor de face permite que enxergue suas premissas formativas.

O holismo de Drucker.

Uma visão crítica de tal amplitude é, por sua vez, a devida expressão de um processo de raciocínio instintivamente holístico. Como vários observadores de Drucker já disseram, sua mente não gravita nem para o fato isolado nem para a explicação causal mecânica. Drucker responde, de verdade, a padrões e configurações caleidoscópicos entre fatos e à explicação processual de seu significado. Dados soltos e aleatórios viram fatos, e fatos isolados assumem importância somente em virtude de sua participação em - e relação com - um todo de maior dimensão.

O holismo de Drucker é mais visível em Uma Era de Descontinuidade, obra na qual discute as “descontinuidades” não evolucionárias no universo social moderno.(8) A explosão de novas tecnologias, o surgimento de uma economia global realmente integrada, o papel central do conhecimento como recurso econômico e a aparição de inúmeras instituições não governamentais - tudo isso sugere uma mudança radical no mundo como hoje o vemos. Em sua opinião, são como as “derivas que formam novos continentes”. Representam alterações imensas, mas basicamente ocultas, nas bases de nossas vidas. Indícios de sua existência estão por toda parte, mas é preciso a mente holística de Drucker para reuni-los, reconhecer sua forma e determinar seu significado.

O mesmo vale para a análise de Drucker da gestão propriamente dita. Por exemplo, sua insistência no marketing como tarefa essencial e inarredável da administração é testemunho de uma visão da atividade empresarial como um processo necessariamente voltado à criação e à satisfação de clientes. Drucker igualmente infere um punhado de padrões ideais da massa de variações individuais de princípios de produção e organização. Aliás, ao discorrer sobre a profissão da administração, Drucker invariavelmente a concebe como uma disciplina que ensina seus praticantes a identificar constelações de significado num fluxo de informações e circunstâncias de resto caótico.

Amplamente contextual, lógico, holístico, o processo mental de Drucker - sua verdadeira contribuição para a disciplina da administração - encena uma espécie de drama permanente de perspectiva. Faz muito mais do que simplesmente brindar informações úteis. é uma verdadeira aula sobre como pensar.

A imparcialidade de Drucker.

A obra de Drucker também é instrutiva em outro aspecto. Embora normalmente incisiva e prescritiva, raramente abandona o tom de calma racionalidade ou se afasta do compromisso primário de análise objetiva. é bem o contrário: é de uma imparcialidade implacável. Há, é claro, pecados no mundo - políticos, sociais, administrativos - que merecem sua crítica e seu desprezo. Mas Drucker ouve todos com neutralidade antes de proferir a sentença.

Para alguns, essa inabalável reflexão é desconcertante. “O.k., o.k., vamos ao ponto”, murmuram, impacientes. Mas não “ir ao ponto”, pelo menos no sentido pretendido, é um dos feitos de maior valor de Drucker. A mente impaciente transfere a autoridade na argumentação à comichão da irritação e a retira dos domínios da razão. Segundo observadores bem informados, muito do contínuo sucesso do premiê canadense Trudeau se devia a seu incansável traseiro, que permitia que o ministro suportasse mais horas de reunião e superasse na argumentação seus oponentes menos pacientes. De forma menos visual, mas tão eficaz quanto, a forte devoção de Drucker ao ritmo cadenciado da razão dá a suas conclusões uma insistente persuasividade.

O leitor de Drucker responde não só à imparcialidade, mas também à graça e ao refinamento óbvios de seu discurso. Sua prosa é incrivelmente culta; seu escopo de referência, enorme; seu estilo natural de formular observações importantes é de uma simplicidade enganadora e reconfortante. A pessoa é inclinada a crer no que Drucker diz por confiar na voz que está dizendo - voz que nem ameaça nem desnorteia, mas traz a promessa de que até o mais complexo dos tópicos se curvará à experiência, ao raciocínio ordenado e ao simples bom senso.

Consideremos, por um instante, um trecho de Administração: Tarefas, Responsabilidades, Práticas. O contexto imediato é uma discussão, talvez um pouco datada, de situações nas quais um “profissional do conhecimento” possa legitimamente receber um salário maior do que gerentes acima dele:

“Aqui há, inclusive, um precedente instrutivo (...). Em 1920, quando Pierre S. Du Pont e Alfred P. Sloan Jr. tentaram pela primeira vez colocar ordem no caos da General Motors Company, o que fizeram foi equiparar os salários dos chefes de divisões operacionais ao do presidente, Pierre Du Pont. Por solicitação própria, Sloan passou a ganhar consideravelmente menos como vice-presidente operacional (a quem os chefes de divisão respondiam). O gerente de uma unidade composta de profissionais de carreira ou especialistas naturalmente irá ganhar mais do que a maioria dos homens na unidade, mas não deveria ser incomum, e muito menos indesejável, que um ou dois ‘astros’ do grupo ganhem mais do que o gerente. Isso pode valer também para vendedores; deveria ser normal um astro das vendas ganhar mais do que o gerente regional de vendas. O mesmo deveria ocorrer no laboratório de pesquisa e em qualquer outra área na qual o desempenho dependa da habilidade, do esforço e do conhecimento individuais”.(9)

Até quando isso representava um tema controverso e um ponto de vista ainda mais controverso, Drucker apresentava a coisa de modo a soar razoável e cogente. E como consegue? Primeiro, torna um terreno estranho conhecido ao citar precedentes relevantes da história da General Motors. Segundo, relata a ação central (o que Sloan fez) de tal modo (“por solicitação própria”) que um tema abstrato de estrutura é convertido numa questão mais tangível de juízo gerencial. Terceiro, generaliza as premissas na base da decisão de Sloan, traduzindo-as de volta para termos estruturais. Quarto, sugere seu leque potencial de aplicação. Por último, extrai disso um princípio essencial, definidor.

O processo de discussão de Drucker envolve, portanto, estabelecer o precedente relevante, torná-lo inteligível em termos humanos, articular suas implicações organizacionais, definir seus limites e deixar claro do que realmente se trata. Sua mente joga com a questão em mãos, encarando-a de várias perspectivas, indicando agora este aspecto importante, agora aquele outro. Drucker envolve o leitor com um tour de force de reflexão, mas o convence, quando é o caso, com um tom de autoridade responsável e um fluxo natural de raciocínio.

Potência retórica.

É essa a mecânica de um típico exemplar da prosa de Drucker. O leitor não é arrastado contra a própria vontade para uma conclusão indesejada. Longe disso. Drucker o conduz gentilmente pelo braço e caminha com ele até sua conclusão parecer o destino mais lógico. Ao longo do caminho, seu ritmo em geral é calmo, ponderado, deliberado. Mas nem sempre. Aqui e ali Drucker parte para uma investida fanática por alguma San Juan Hill retórica. Vejamos Drucker a plena carga sobre a questão do lucro:

“Na realidade, o conceito [de equiparar o lucro com o motivo do lucro, algo muito comum] é pior do que irrelevante: é nocivo. é um dos principais motivos para a incompreensão da natureza do lucro em nossa sociedade e para a arraigada hostilidade ao lucro, que figura entre os males mais perigosos de uma sociedade industrial. é, em grande medida, responsável pelos piores erros na gestão pública - nesse país e na Europa Ocidental -, que se devem basicamente à incapacidade de entender a natureza, a função e o propósito da atividade empresarial. E é, em grande parte, responsável pela tese corrente de que há uma contradição inerente entre o lucro e a capacidade de uma empresa de dar uma contribuição social. Na verdade, uma empresa só pode dar uma contribuição social se seu lucro for alto. Sinceramente, uma empresa quebrada dificilmente será um bom lugar para trabalhar ou uma boa vizinha e parte desejável da comunidade - não importando o que certos sociólogos de hoje pareçam crer em contrário”.(10)

Aqui, não há nada a discutir: a prosa é exaltada, imoderada. O contexto imediato é, sim, uma discussão ponderada da diferença lógica entre um termo como “motivo do lucro”, que alude a realidades psicológicas, e um termo como “rentabilidade”, que se refere a padrões abstratos de avaliação empresarial. E, claro, seu contexto mais geral são trechos que, espalhados pela obra de Drucker, montam uma forte defesa do lucro como recompensa essencial contra os riscos do futuro.

Ainda assim, é um discurso exaltado. Seu ritmo incremental é o do púlpito; sua lógica reduz longas sequências de causa e efeito a mecanismos simples de incitação; seu tom desdenhoso não deixa espaço para os céticos. Pode ser um rompimento radical com a norma retórica de Drucker, mas não é nem acidental nem ineficaz. é fanatismo com um propósito.

Como bem sabe Drucker, o discurso instrui e anima não só ao convencer a razão, mas também ao dobrar ou romper uma vontade recalcitrante. Quando há muito em jogo e a teimosia intelectual de parte da plateia é grande o bastante, Drucker conduz o leitor na marra, derrubando defesas habituais por pura força retórica. Não é sempre que se vale disso, mas é bom o bastante como tático verbal para se sair bem quando tenta.

Questões morais

Mesmo diante de trechos como este, há quem ainda critique Drucker por aquilo que, a seu ver, é uma evidente falta de ardor em suas ideias, um certo distanciamento do material. é um grande equívoco. Há uma imensa diferença entre inteligência isenta e inteligência destituída de paixão. A objetividade calculada de Drucker reflete o autêntico compromisso com um raciocínio isento, embora longe de desapaixonado. Aliás, muito de seu pensamento reflete uma terrível urgência de propósito moral. A preocupação de Drucker com a profissão da administração é tamanha devido a seu profundo medo daquilo que poderia ocorrer caso as principais instituições da sociedade ocidental não honrassem suas responsabilidades básicas.

Mesmo sem prestar completa atenção, qualquer leitor de livros anteriores de Drucker ou de sua recente autobiografia não deixará de notar que as lições do fascismo na Itália e do nacional-socialismo na Alemanha não foram ignoradas por ele. Esse traumático momento da história está sempre presente em sua mente de um jeito simplesmente impossível para teóricos da gestão mais jovens, americanos de nascimento (Drucker nasceu em Viena, na áustria, em 1909). Não há como partilharem a perturbadora urgência de seu senso do preço pago pela sociedade do século 20 pela falência institucional.

No mundo de hoje, acredita Drucker, as liberdades humanas verdadeiramente prezadas dependem em grande medida, para sua proteção, de organizações em grande escala. Quando bem-sucedidas, essas organizações garantem grande parte da satisfação humana hoje disponível para o homem ocidental. São o principal palco para a conquista da liberdade individual e para que se assumam responsabilidades por meio do autocontrole. Se as instituições da atividade empresarial não puderem satisfazer as necessidades cumulativas de desempenho econômico, da sociedade e do indivíduo, não há nada que separe qualquer um de nós das forças do caos e do terror. Não admira, portanto, que Drucker dê tanta ênfase ao caráter do administrador e à imensa responsabilidade que este carrega.

O que ler

Dada a disposição a ler Drucker, mas um tempo limitado, em que livros se concentrar? É uma escolha dificílima, pois Drucker não só escreveu muitos livros, mas escreveu livros muitos distintos uns dos outros. Há, porém, como dividi-los, grosso modo, em quatro categorias: pensamento social e político, análises da profissão da administração e de instituições empresariais, conjecturas embasadas sobre contornos do futuro já visíveis no presente e manuais de gestão para certas tarefas ligadas à atividade empresarial. Certos títulos entram, naturalmente, em mais de uma categoria; um punhado não se encaixa bem em nenhuma delas.

A primeira entre as obras de teoria social e política é The End of Economic Man, uma abordagem incrivelmente neutra sobre o fascismo na Europa do século 20. Outras duas publicações completam o ciclo de ideias ali iniciado: The Future of Industrial Man, (11) que aborda o problema central da autoridade legítima em instituições modernas, e A Nova Sociedade, (12) que traça uma visão idealizada da cidadania industrial. Men, Ideas and Politics, uma das várias coletâneas de ensaios de Drucker, traz uma série de notas ornamentais, incluindo reflexões originais sobre Søren Kierkegaard, John C. Calhoun e Henry Ford.

Os livros de gestão propriamente dita também compõem um ciclo de ideias. Concept of the Corporation é o estudo pioneiro da General Motors. Prática da Administração de Empresas (13) e Administração: Tarefas, Responsabilidades, Práticas são, talvez, as duas contribuições mais famosas de Drucker para o estudo da gestão como disciplina profissional.

No terceiro grupo estão duas coleções de ensaios, America’s Next Twenty Years (14) e Tecnologia, Gerência e Sociedade, e ainda Landmarks of Tomorrow.(15) Todos eles trazem, basicamente, aquilo que o título sugere. Uma Era de Descontinuidade identifica e avalia mudanças radicais nas bases do mundo moderno. Já A Revolução Invisível - muito criticado por confundir propriedade com controle - considera uma espécie de mudança distinta, mas não menos radical: o desenvolvimento do que Drucker chamou de “socialismo de fundo de pensão” nos EUA.(16)

Por último, há os manuais de gestão: Administração Lucrativa, com sua ênfase em táticas para melhorar o desempenho econômico, e O Gerente Eficaz,(17) com suas sugestões para tornar o executivo um gestor mais eficaz tanto de si próprio quanto dos outros.

O livro mais recente de Drucker, o autobiográfico Reminiscências de Viena ao Novo Mundo, não pertence a nenhuma dessas categorias.18 Não importa. O elenco de personagens entre os quais Drucker circula, sobretudo nos capítulos europeus, é de uma riqueza excepcional. Já a breve visão que descortina de um universo social e político desaparecido é, em si, uma lição. Na maior parte das vezes, essa obra é melhor do que um romance, mais vívida do que um ensaio e refletida como ambos em sua melhor encarnação. Uma Era de Descontinuidade é do mesmo nível. Também é uma leitura prazerosa, embora de outra espécie. é cada vez mais importante para o gestor pensar produtivamente sobre os contornos do futuro - Descontinuidade sugere um modelo provocativo para tal.

Se houver tempo suficiente e estiver em clima de reflexão, o leitor deve avançar lentamente por The Future of Industrial Man. é a visão de Drucker dos problemas centrais que a sociedade industrial enfrenta - liberdade e legitimidade - e que não aparecem diariamente nos telejornais.

Mais importante de todos é o Prática da Administração de Empresas, o melhor livro de Drucker sobre a profissão da administração. Bem mais incisivo que o compêndio mais extenso que é Administração, perfeitamente equilibrado entre preceito e exemplo, é um livro eminentemente prático, mas de genuíno escopo intelectual. Se a obra de Drucker tem algo de valor imediato para o leitor, o mais provável é que se encontre aqui.

Lembremos, contudo, que o maior valor da leitura de Drucker está na sustentada exposição à disciplinada atividade de sua mente - e não apenas na substância parafraseável de suas ideias. é claro que há ideias em abundância, e sem dúvida dignas de atenção. Mas, como bem sabia Samuel Johnson (o grande humanista do século 18), na leitura de um livro o que realmente importa não é colher cada flor individualmente, mas “agarrar com força o tronco, para sacudir todos os galhos”. Na obra de Drucker, agarre com força a disciplina de sua mente.

_______________________________
Alan M. Kantrow é professor de administração e diretor do Centro de Pesquisa em Infraestrutura da Faculdade de Administração Skolkovo, na Rússia.
(publicado originalmente em Janeiro-Fevereiro 1980)


1. Administração Lucrativa (Zahar Editores, 1968).
2. Concept of the Corporation (New York: John Day, 1946).
3. Ibid.
4. The End of Economic Man (New York: John Day, 1939).
5. “Keynes: Economics as a Magical System”, em Men, Ideas and Politics (New York: Harper & Row, 1971).
6. Tecnologia, Gerência e Sociedade (Vozes, 1972).
7. Para a análise de Drucker da gestão japonesa, ver “Japan Tries for a Second Miracle” e “What We Can Learn from Japanese Management”, in Men, Ideas and Politics, e Administração: Tarefas, Responsabilidades, Práticas (Abril/Pioneira, 1975).
8. Uma Era de Descontinuidade (Zahar, 1970).
9. Administração: Tarefas, Responsabilidades, Práticas.
10. Ibid.
11. The Future of Industrial Man (New York: John Day, 1942).
12. A Nova Sociedade (Ipanema, 1957).
13. Prática da Administração de Empresas (Fundo de Cultura, 1964).
14. America’s Next Twenty Years (New York: Harper & Row, 1957).
15. Landmarks of Tomorrow (New York: Harper & Row, 1959).
16. A Revolução Invisível (Thomson Pioneira, 1977).
17. O Gerente Eficaz (LTC, 1967).
18. Reminiscências de Viena ao Novo Mundo (Thomson Pioneira, 1982).

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Ignacy Sachs: Responsabilidade Social dos paises industrializados

"A responsabilidade social pesa essencialmente sobre os países industrializados", diz Sachs

Por Redação da Amazônia.org.br

Ignacy Sachs está em alta no debate público. O intelectual de 81 anos, consultor de vários governos - dentre eles o brasileiro - é professor da Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais em Paris, onde criou e dirige o Centro de Pesquisas do Brasil Contemporâneo.

Com a proximidade da 15ª Conferência da ONU para o clima, a COP-15, a se realizar em dezembro, na cidade dinamarquesa de Copenhague, sua voz passa a ser cada vez mais procurada na tentativa de entender o atual momento vivido e, principalmente, vislumbrar alternativas de um futuro menos apocalíptico.

Durante a semana passada, ele esteve no II Seminário Conexões Sustentáveis: São Paulo - Amazônia, onde falou brevemente sobre o contexto em que o debate sobre a mudança de paradigmas em busca de uma economia de baixo carbono está inserido.

"Estamos entrando na terceira grande transição da humanidade. Depois do domínio das técnicas agrícolas e da era das energias fósseis, entramos agora num momento de encontrar uma saída ordenada para todos esses problemas que estão a nossa frente. Mas isso não acontecerá da noite para o dia, e sim, na perspectiva do que nos acompanhará até o fim desse século", disse ele.

O professor enxerga na crise a oportunidade para a humanidade "mudar de rumo". Ele destacou a necessidade do aumento das redes de serviços sociais, para que o Estado atue sobre o bem-estar da população sem influência do mercado. Segundo Sachs, para se atingir esse ponto, devemos adotar o voluntarismo responsável, que ele explica não se tratar de transportar utopias para o futuro, mas sim, contribuir com um projeto de longo prazo que tenha chances de ser realizado, enfrentando simultaneamente os desafios postos nas áreas social e ambiental.

"Temos que nos proteger de um paradigma de relações assimétricas. Precisamos tornar visíveis os padrões de relacionamento e nos proteger contra a exploração abusiva", conclui.

De saída, Sachs concedeu rápida entrevista ao Amazônia.org, que foi interrompida abruptamente pela urgência do professor em seguir para outro compromisso. Confira.

Amazônia.org - Copenhague será um fracasso, assim como Kyoto?

Ignacy Sachs - Pelos índices apresentados até agora, é difícil ser otimista. Mas é sempre possível imaginar uma inversão da situação através de uma ação de última hora de um grupo de grandes líderes. Sei que o presidente Lula está bastante empenhado na idéia. Oxalá seja bem sucedido. Os índices até agora são negativos. Estão todos enrolando, empurrando para frente. E há um problema muito claro posto aí, que vem desde Kyoto. Ou se discute o que precisa ser feito e depois como deve ser compartilhado o esforço para se atingir esse objetivo entre os diferentes atores, ou se discute até onde esses atores pretendem ir, e repetimos o erro de Kyoto, que mesmo se fosse implementado em 100%, seria apenas uma parcela do que deveria ser decidido naquele momento.

Amazônia.org - O senhor falou do presidente Lula. Como enxergou o anúncio de que o Brasil não levará metas obrigatórias...

Sachs - Espere. Ontem ou anteontem li uma entrevista da ministra Dilma Roussef dizendo que não serão metas impostas, mas sim objetivos voluntariamente assumidos pelo Brasil. Eu acho isso correto. A responsabilidade social pesa essencialmente sobre os países industrializados.

Amazônia.org - Mas os países em desenvolvimento não podem repetir o modelo adotado pelos industrializados...

Sachs - Os países industrializados não estão dispostos a assumir, então busca-se fórmulas complicadas para dizer que não se pode eliminar do esforço países que são grandes poluidores como China, Índia e Brasil. Esperar que esses países assumam voluntariamente compromissos é uma idéia forte. Não ter medo de assumir, e insistir sobre o fato de que é uma postura voluntária, não uma obrigação. De qualquer maneira, a diplomacia tem capacidades infinitas de encontrar fórmulas que depois podem ser interpretadas de maneira diferente. Ou haverá um momento em que os cinco, seis líderes mais importantes sentam à mesa para decidir, ou teremos um novo Kyoto. Por enquanto, esse acordo não apareceu.

Amazônia.org - Esses líderes, ao menos em seus discursos, vêm se posicionando de maneira favorável a uma economia de baixo carbono e uma mudança de paradigma na produção industrial. Mas não se percebe de fato mudanças significativas nesse modelo. Como seria uma maneira mais eficaz, ou até radical, para mudar de vez esse paradigma?

Sachs - Esqueci meu colete do qual eu lhe tiraria uma resposta para essa pergunta. Não sei como se faz. Em última instância, uma pressão dos movimentos sociais poderia ter alguma importância, mas isso não está muito claro. Poderia haver uma convergência de movimentos sociais e políticos sobre esse assunto.


(Envolverde/Amazônia.org.br)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Da Propriedade Intelectual à Economia do Conheciment

Da Propriedade Intelectual à Economia do Conhecimento

Ladislau Dowbor


Em um trabalho de trinta páginas, o professor Ladislau Dowbor discute a questão da propriedade intelectual, que atualmente circula entre os pensadores na nova economia e já começa a ganhar espaço na pauta dos governos, que buscam a liberação de patentes de propriedade intelectual de produtos como remédios e vacinas e de tecnologias verdes. "Achei que estava faltando um texto em português, de embasamento teórico, tazendo os principais autores e os principais argumentos", explica o economista, doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia e professor titular da PUC de São Paulo.


Para ele, vivemos um momento em que “o eixo central de geração de valor desloca-se do conteúdo material para o conteúdo de conhecimento incorporado aos processos produtivos. Com isso criou-se uma batalha ideológica e econômica em torno do direito de acesso ao conhecimento. O acesso livre e praticamente gratuito ao conhecimento e à cultura que as novas tecnologias permitem é uma benção, e não uma ameaça. Constitui um vetor fundamental de redução dos desequilíbrios sociais e da generalização das tecnologias necessárias à proteção ambiental do planeta. Tentar travar o avanço deste processo, restringir o acesso ao conhecimento e criminalizar os que dele fazem uso não faz o mínimo sentido. Faz sentido sim estudar novas regras do jogo capazes de assegurar um lugar ao sol aos diversos participantes do processo. Vale a pena atentarmos para o universo de mudanças que se descortina: são os trabalhos de Lawrence Lessig sobre o futuro das idéias, de James Boyle sobre a nova articulação dos direitos, de Joseph Stiglitz sobre a fragilidade do sistema de patentes, de André Gorz sobre a economia do imaterial, de Jeremy Rikin sobre a economia da cultura, de Eric Raymond sobre a cultura da conectividade, de Castells sobre a sociedade em rede, de Toffler sobre terceira onda, de Pierre Lévy sobre a inteligência coletiva, de Hazel Henderson sobre os processos colaborativos e tantos outros inovadores. Nestas propostas, veremos que as mudanças não estão esperando que se desenhem utopias, um outro mundo está se tornando viável.

Baixe a íntegra do artigo no link
 https://dowbor.org/2009/11/da-propriedade-intelectual-a-economia-do-conhecimento-outubro.html


Fonte: Envolverde

Ambientalismo, Ecofeminismo, retorno ao campo...

O novo ideário do ambientalismo e os embates da modernidade

Manuel Alves Filho, Jornal da Unicamp


Aspectos importantes do ambientalismo e das conexões deste com outros movimentos sociais, como o feminismo, o pacifismo e o movimento estudantil, são tratados com profundidade e acuro no livro A busca pela natureza - Turismo e aventura, de autoria de Heloísa Turini Bruhns, professora aposentada do Departamento de Estudos do Lazer da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp, e que atualmente desenvolve projetos em colaboração com a professora Tereza Paes-Luchiari, coordenadora do programa de pós-graduação em Geografia do Instituto de Geociências (IG) da própria Universidade.

A obra, que resulta de pesquisas realizadas pela autora para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), elege o ambientalismo como um dos marcos do pensamento crítico contemporâneo. “Penso que o movimento trouxe novas possibilidades para refletirmos nossos valores e conceitos em relação à vida, além de ter polemizado algumas questões propostas pela modernidade, como a tentativa de domesticação do sujeito, a valorização da razão e a fé no progresso”, afirma. Na entrevista que segue, Heloísa Bruhns fornece mais detalhes dos temas que aborda no livro.

Jornal da Unicamp - O livro é resultado de pesquisas que a senhora vem desenvolvendo há algum tempo, não é?

Heloísa Bruhns - O livro teve como base três pesquisas que eu desenvolvi para o CNPq, todas elas relacionadas com meio ambiente, lazer e natureza. Outra participação importante nessa trajetória foi minha atuação, desde 1994, junto ao grupo de pesquisa “Turismo e meio ambiente” do Nepam [Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais, da Unicamp]. Essa participação culminou com a organização de eventos e na publicação de livros, cuja alavanca foi “Viagens à natureza”, que está na 8ª edição. Parto do pressuposto de que o ambientalismo enquanto movimento crítico-social - em negar suas contradições e incoerências, bem como correntes às vezes conflituosas - influenciou a busca atual pela natureza, a qual recebeu conotações diferenciadas ao longo de seu percurso histórico em diferentes contextos. Podemos pensar essas questões engatilhadas a partir da década de 1960, nos movimentos contraculturais, constituindo e desembocando em crises deflagradas no âmbito das instituições - família, ensino, igreja dentre outras. Surge aí uma noção de ambientalismo na qual está embutida não apenas a preservação, de maneira isolada e estanque, mas integrando uma infinidade de conteúdos.

JU - É um livro voltado para a academia ou é acessível a todas as pessoas que se interessam pelos temas nele contidos?

Heloísa Bruhns - Há um processo recente de diálogo entre a academia e os técnicos especializados que gerenciam as atividades na natureza. Participei em julho passado, na Chapada Diamantina, do Congresso Brasileiro de Atividade de Aventura. Achei interessante, porque a academia está abrindo diálogo com esse segmento, visto que ela não consegue dar conta sozinha do aspecto técnico. Algumas atividades requerem o uso de equipamentos muito específicos e sofisticados. Não é possível realizar, por exemplo, uma exploração de cavernas no Petar [Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira, localizado na faixa Sul do Estado de São Paulo] sem o acompanhamento de um técnico ou sem o uso de equipamentos de segurança. Ou seja, os técnicos possuem esse conhecimento.

A fusão do saber crítico e do saber especializado é interessante e enriquecedor, uma vez que estamos tratando de um assunto que envolve áreas das mais diversas, como geografia, turismo, ciências sociais, biologia, educação física etc. Nesse sentido, o livro realiza uma discussão um pouco mais densa no primeiro capítulo, no qual abordo questões do ambientalismo, do feminismo e do ecofeminismo. Do segundo capítulo em diante o enfoque é mais acessível aos não-acadêmicos. É quando enfoco a questão da educação ambiental, das características das atividades de turismo e aventura e do perfil do público que está demandando essas atividades. Penso que o livro atinge públicos diferentes, de áreas igualmente distintas.

JU - A senhora aponta o ambientalismo como um importante movimento social. Há, todavia, quem ainda o veja como um movimento permeado por ingenuidades. Por que isso acontece?

Heloísa Bruhns - No início, o ambientalismo incluiu entre suas propostas um tema que a meu ver foi equivocado. Ingenuamente, o movimento negou o progresso conquistado e defendeu o retorno ao campo. Uma utopia simplista manifestou-se no movimento, relacionada à ruralização e à proposta de volta às comunidades rurais, qual seja, o retorno aos modelos de convívio dos pequenos povoados e vilas, negando o conforto, que foi confundido com luxo, conquistado na sociedade ocidental. Isso fez com que surgissem várias comunidades alternativas, sendo que a grande maioria foi extinta. A proposta não teve o alcance imaginado por um motivo simples: a sociedade em geral não estava disposta a abrir mão de algumas conquistas que ela tinha como legítimas. Ou seja, não se tratava propriamente de retroceder, mas sim de contestar o que estava sendo feito, de modo que as ações do progresso fossem menos agressivas, tanto em relação ao planeta quanto em relação aos sujeitos.

Penso que esse equívoco inicial fez com que alguns segmentos passassem a ver o ambientalismo como um movimento com propostas ingênuas, mas hoje sabemos que não se trata disso absolutamente. Embora o movimento tenha se inspirando no princípio da não-violência, nem tudo ocorre sempre assim, e grupos de ação direta como Greenpeace e Earth First! às vezes correm o risco de aproximar os ambientalistas de milícias defensoras da sobrevivência.

JU - No livro, a senhora trata das conexões do ambientalismo com outros movimentos sociais. Que movimentos são esses e como se deram essas relações?

Heloísa Bruhns - No livro, eu tento fazer uma ponte entre o feminismo, o ecofeminismo, o ambientalismo, os novos valores e as novas sensibilidades, envolvidos na busca contemporânea pela natureza. O ambientalismo carrega novas ideias e sensibilidades - aproximando-se do feminismo e da vertente ecofeminista -, configurando uma fase estética, gerando tanto uma atitude ativa contemplativa sobre a natureza, como uma atitude ativa destinada a expandir e integrar as relações da sociedade com a natureza.


O feminismo insere-se nos “novos movimentos sociais” emergidos durante a década de 1960 - as revoluções estudantis, os movimentos antiguerra e da contracultura revolucionária , os movimentos pacifistas e o ambientalismo. Ele veio contestar situações pontuadas pela modernidade como categorias universais de sujeito masculino e do conhecimento objetivo. Criticar totalidades e estereótipos universais é uma opção teórica dos estudos feministas. Ora, não existe sujeito universal, existem sujeitos particulares em situações igualmente particulares; localidades particulares, com interesses e necessidades muito diferentes entre si. No início, direcionado para a contestação social feminina, o feminismo expandiu-se, incluindo a formação de identidades sexuais e de gênero, desafiando a noção de que homens e mulheres eram parte da mesma identidade, ou seja, da mesma “humanidade” Assim, politizou a subjetividade, a identidade e o processo de identificação: homens/mulheres; mãe/pai; filho/filha.

O feminismo propôs também um olhar mais sensível em relação às questões que vinham ocorrendo na sociedade em geral, tanto no mundo oriental quanto ocidental, como a da agressividade em relação ao planeta e aos sujeitos. Apontou a necessidade de incorporarmos parâmetros não-racionais à nossa leitura da realidade e de nos aproximarmos de valores como a sensibilidade, a fragilidade, a tolerância, a solidariedade, entre outros, embora devamos considerar que esses valores merecem receber tratamento contextualizado, uma vez que suas construções históricas requerem tal cuidado. A vertente do ecofeminismo procura incorporar a visão das mulheres às discussões acerca da problemática ambiental e tem orientado movimentos ambientalistas e feministas em várias partes do mundo

JU - Como marco histórico, estamos falando das décadas de 60 e 70, é isso?

Heloísa Bruhns - Algumas práticas de lazer tendo como pano de fundo o ambientalismo enquanto movimento crítico-social surgem ou despontam com outras características a partir de 1960, muito próximas às peregrinações do movimento hippie ou aos seus propósitos de volta ao campo, onde a busca pela natureza representava uma contestação de valores em relação à determinada produção e ao consumo.


Atualmente, a natureza pode ser considerada como território da experiência, afastando-se da contestação inicial. Porém, é importante lembrar que experiência está associada a tentar, testar, arriscar, ou seja, implica em aventurar-se. Podemos visualizar aí uma espécie de protesto contra um ritmo de vida orientado unicamente para a produção. As visitas à natureza traduzidas nas formas de acampamento, caminhadas, exploração de cavernas e montanhismo tornam-se cada vez mais frequentes, desencadeando uma série de atividades como rafting, canyoning, bóia-cross, cascading, tirolesa e outros.

JU - O que há de novo no movimento ambientalista?

Heloísa Bruhns - Atualmente, podemos adotar como “ambientalista” uma variada gama de pessoas interessadas nas questões ambientais. Muitas delas valorizam estilos de vida rurais, caminhadas, práticas de acampamento e algumas integram organizações ambientalistas como a WWF [World Wildlife Fund], SOS Mata Atlântica e Projeto Tamar.

Observamos ações diversas, que provavelmente não seriam realizadas há algumas décadas, como observar abutres na Croácia ou baleias nas Ilhas Canárias. Essas pessoas são denominadas “ecovoluntários”. Viajam para trabalhar, com direito a hospedagem e refeição. Policiam, por exemplo, o ecoturismo marinho e instruem a população sobre a importância da preservação.

JU - Como o homem é visto dentro desse contexto de preservação do planeta?

Heloísa Bruhns - Estamos vivendo um período de discussões muito efervescente, principalmente por conta das consequências do aquecimento global. A necessidade de repensarmos a nossa relação com o planeta não pode ficar restrita apenas aos fatores físico-bióticos. O ambientalismo mostrou que a questão ambiental se relaciona também com a questão da qualidade de vida do sujeito. E a qualidade de vida está intimamente relacionada à necessidade fundamental de erradicação da miséria e de melhor distribuição de renda. Ou seja, uma vida digna pressupõe que problemas de saúde, educação, habitação e alimentação estejam sanados.

JU - Voltando à questão da prática de atividades de aventura, essas experiências estão vinculadas ao consumo em alguma medida. Muitas são promovidas por agências de turismo, que obviamente cobram pelo serviço. Alguma crítica a essa relação?

Heloísa Bruhns - No Brasil, a questão comercial em relação aos grupos organizados prevalece bastante, o que não acontece tanto na Europa. Em 2007, eu desenvolvi uma pesquisa como professora visitante na Nottigham Trent University. Apenas em Nottingham, onde eu morava, cheguei a participar de cinco grupos diferentes de caminhada. Nenhum deles estava associado a agências de turismo. Para o europeu, essa prática parece ser mais comum. O brasileiro, ao contrário, prefere se associar a uma agência por conta de comodidade e segurança. Ou seja, o lado comercial e mercadológico existe. Entretanto, o mesmo ocorre em relação a grupos que se aventuram sozinhos, pois seus membros compram equipamentos, muitos deles de grife.

No livro tento mostrar que essa questão exige a busca da complexidade envolvida no tema. Enfoques sobre a invasão do consumo na nossa vida cotidiana tornaram-se assunto comum na sociedade urbano-industrial há algum tempo, conduzindo os sujeitos a acreditarem na manipulação de nossos costumes e comportamentos. Nessa perspectiva, o consumo representa a trapaça do mercado invadindo todos os aspectos da vida.

Essas abordagens tornam-se simplistas, pois são verificadas manifestações de oposição e aceitação em relação às mensagens veiculadas pela indústria cultural, implicando numa dinâmica das relações de classes, com um reposicionamento constante dos diversos grupos sociais. A interpretação do consumo como mero fenômeno econômico despreza os fenômenos expressivos que entram em tensão com a racionalização ou com as pretensões de racionalizar a vida social. Embora concorde que as garras do poder econômico e a potência do mercado têm o poder de ditar normas e induzir comportamentos, não posso olhar o homem como um ser simplesmente consumidor, pois estaria realizando uma análise simplista, ingênua e reducionista da questão, ao mesmo tempo em que empobreceria a humanidade nas suas possibilidades de expressão e manifestação.

JU - Normalmente, nós vemos mais ações das ONGs do que dos entes públicos quando o assunto é meio ambiente. O poder público continua participando timidamente dessa questão?

Heloísa Bruhns - Ao contestar instrumentos sócio-culturais e político-econômicos de organização das sociedades e ao questionar teorias e práticas em torno da luta pelo poder, o ambientalismo vem propor novas configurações do expressar a política, de fazer reivindicações, de agir sobre os temas de interesse coletivos e individuais.

O movimento defende o exercício da política do cotidiano e da identidade na transformação das relações fundamentais, mesmo que essa ação atinja somente uma localidade específica. Considera essa forma de fazer política mais efetiva quando comparada ao enfrentamento dos jogos macro do poder instituído, pois não concorda com suas regras. Portanto, acredita que a solução não vem da mesma matriz danosa que se tenta evitar.

O ambientalismo propõe uma mudança de perspectiva na tradicional concepção de política e, consequentemente, novas formas de fazer política e se relacionar com o poder. A política de identidade visualiza virtudes na flexibilidade e mobilidade e se concentra em questões particulares, reconhecendo a inevitabilidade da diferença e da heterogeneidade, desconfiando dos discursos políticos que giram em torno de imagens do universal e da massa. Entre as décadas de 1960 e 1990, os movimentos e as lutas políticas que mais se destacaram, tanto nos países centrais como nos periféricos e semiperiféricos, foram protagonizados por grupos sociais compostos por identidades não diretamente classistas, como estudantes, mulheres, grupos étnicos e religiosos, pacifistas, ecológicos.

As ONGs, embora não desvinculadas totalmente do poder instituído, tentam garantir o mínimo de autonomia e independência nas suas ações, criando regras diferenciadas, tentando um afastamento dos entraves burocráticos. Iniciativas particulares como participar de mutirões para recolhimento do lixo das praias e trilhas, desenvolver projetos voluntários para a erradicação do analfabetismo, criar grupos para trabalhar com material reciclado etc demonstram possibilidades mais independentes em relação ao poder público.

JU - Como é o seu olhar sobre essas experiências contemporâneas relacionadas à busca pela natureza?

Heloísa Bruhns - Essa busca pela natureza muitas vezes traduzida como errância, incorporando o deslocamento, o trânsito, manifesta uma insatisfação contra a estabilidade positivista do mundo estabelecido relacionada a uma tentativa - bem sucedida - de domesticação das massas, do assentamento no trabalho e no destino à residência.

Essas pequenas, porém essenciais aventuras errantes, sem muito propósito definido, reconciliam desejos e sua materialização, por meio de uma experiência grupal, na qual os sentidos e os sentimentos tornam-se a base a partir da qual surgem comportamentos e ideias, criando laços ou conflitos, concordâncias ou discordâncias, ambiguidades e contradições.

Frente a uma ideologia econômica que tenta direcionar a vida, testemunhamos a necessidade do “vazio”, da perda, do que não pode ser contabilizado. Enfim, pela necessidade do imaterial. Ao atentarmos para o preço das coisas “sem preço”, saberemos dar sentido aos fenômenos que não querem ter sentido. A questão dessa experiência - ou aventura - não está em ganhar ou perder - nesse sentido distancia-se da lógica tradicional e linear do “record”. Trata-se somente de um fragmento da existência, ao lado de tantos outros, o qual possui a força misteriosa de fazer-nos sentir, por um momento, a vida inteira, como se não tivesse outro objetivo senão sua realização.

O desafio contemporâneo requer a busca de reinvenções, sobretudo no plano político, de elos e mediações ou de novos meios de convívio e valores diferenciados, em um confronto com as sempre mesmas injustiças conhecidas. Estamos buscando algo indefinido, desconhecido, compondo instabilidades em um quadro instaurado na reciclagem de desejos, bem com na reciclagem da própria vida.

Talvez essa busca pela natureza por meio de experimentações e novos comportamentos traduza um pouco de tudo isso, pois nela percebemos a influência mais surda, porém mais profunda, de um mundo em crise, inquietante e instável, tomado por abalos brutais e animado por mudanças rápidas; um universo social que se experimenta e do qual nossos corpos carregam os traços.

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Heloisa Turini Bruhns é professora titular aposentada do Departamento de Estudos do Lazer-FEF e atual colaboradora no programa de pós-graduação em Geografia do Instituto de Geociências (IG), ambos da Unicamp. Autora dos livros: O corpo parceiro e o corpo adversário; Futebol, carnaval e capoeira: entre as gingas do corpo brasileiro (ambos pela Papirus); e A busca pela natureza-aventura e turismo (Manole). Organizadora e co-organizadora dos livros: Conversando sobre o corpo; Viagens à natureza; Olhares contemporâneos sobre o turismo; Natureza, cultura e patrimônio (todos pela Papirus); Introdução aos Estudos do Lazer (Editora da Unicamp); Lazer e ciências sociais (Chronos); Temas sobre Lazer; O corpo e o lúdico; Enfoques contemporâneos sobre o lúdico e Representações do lúdico (todos pela Autores Associados); Turismo, Lazer e Natureza, e Viagens, lazer e esporte: o espaço da natureza (ambos pela Manole). Durante o ano de 2007 realizou um estágio como “Visiting Professor” no centro de pesquisa “Theory, Culture and Society” na Nottingham Trent University-UK.


"A busca pela natureza - Turismo e aventura"
Editora: Manole
Páginas: 206
Preço R$ 43,20


fonte: Envolverde/Jornal da Unicamp

Fundamentalismo do Mercado x queda do Muro: E Hobsbawm

Vinte anos depois da queda do Muro de Berlim: Além do fundamentalismo do mercado

Eric Hobsbawm*
Londres, novembro/2009

O breve século XX foi uma era de guerras religiosas entre ideologias seculares. Por razões mais históricas do que lógicas, o século passado foi dominado pela oposição entre dois tipos de economia mutuamente excludentes: o “socialismo”, identificado com as economias planejadas centralmente do tipo soviético, e o “capitalismo”, que cobriu todo o resto.

Esta aparente oposição fundamental, entre um sistema que tentou eliminar a busca pelo lucro da empresa privada e outro que procurou eliminar toda restrição do setor público sobre o mercado, nunca foi realista. Todas as economias modernas devem combinar o público e o privado de variadas maneiras e de fato o fazem. As duas tentativas de cumprir a qualquer custo com a lógica dessas definições de “capitalismo” e “socialismo” fracassaram. As economias de planejamento comandadas pelo Estado do tipo soviético não sobreviveram aos anos 80, e o “fundamentalismo do mercado” anglo-norte-americano, então em seu apogeu, se fez em pedaços em 2008.

O século XXI terá de reconsiderar seus problemas em termos mais realistas. De que maneira o fracasso afetou os países anteriormente comprometidos com o “modelo socialista”? Sob o socialismo, eles não foram capazes de reformar seus sistemas de economia planificada, embora seus técnicos tivessem plena consciência de seus defeitos fundamentais, que eram internacionalmente não competitivos e continuavam sendo viáveis apenas na medida em que estivessem isolados do resto da economia mundial.

O isolamento não pôde ser mantido, e quando o socialismo foi abandonado, já o fora pelo colapso dos regimes políticos, como ocorreu na Europa, ou pelo próprio regime, como sucedeu na China e no Vietnã, esses Estados mergulharam de cabeça no que para muitos parecia a única alternativa à disposição: o capitalismo em sua então dominante forma extrema do livre mercado.

Os resultados imediatos na Europa foram catastróficos. Os países da ex-União Soviética ainda não superaram seus efeitos. Felizmente para a China, seu modelo capitalista não se inspirou no neoliberalismo anglo-norte-americano, mas no muito mais dirigista dos “tigres” do Leste asiático. A China lançou seu “grande salto adiante” econômico com escassa preocupação por suas implicações sociais e humanas.

Este período agora está chegando ao fim, tal como ocorre com o domínio do liberalismo econômico anglo-norte-americano, embora ainda não saibamos quais mudanças trará a atual crise econômica mundial depois de superados os efeitos da sacudida dos últimos dois anos. Somente uma coisa é clara, há um importante deslocamento das velhas economias do Atlântico Norte para o Sul e, sobretudo, para a Ásia do Leste.

Nesta situação, os ex-Estados socialistas (incluindo aqueles ainda governados por partidos comunistas) enfrentam problemas e perspectivas muito diferentes. A Rússia, tendo se refeito até certo ponto da catástrofe da década de 90, ficou reduzida a ser forte, mas vulnerável, exportadora de matérias-primas e energia, e até agora não foi capaz de reconstruir uma base econômica mais balanceada.

A reação contra os excessos da era neoliberal levou a certo retorno para uma forma de capitalismo de Estado com uma reversão a aspectos da herança soviética. É evidente que a simples “imitação do Ocidente” deixou de ser uma opção. Isto é ainda mais óbvio na China, que desenvolveu seu capitalismo pós-comunista com considerável êxito. Tanto é assim que futuros historiadores poderão muito bem ver a China como a verdadeira salvadora da economia do mundo capitalista na atual crise.

Em resumo, já não é possível crer em uma única forma global de capitalismo ou de pós-capitalismo. Porém, modelar a economia futura talvez seja o assunto menos importante de nossas preocupações. A diferença crucial entre os sistemas econômicos está não em suas estruturas, mas em suas prioridades sociais e morais. A este respeito vejo dois problemas:

O primeiro é que o fim do comunismo significou o súbito fim de valores, hábitos e práticas sociais com os quais várias gerações viveram, não apenas dos regimes comunistas, mas também os do passado pré-comunista e que foram amplamente preservados sob tais regimes. Exceto para os nascidos depois de 1989, se mantém em todos um sentimento de alteração e desorientação social, mesmo com os apuros econômicos já não predominando na população pós-comunista. Inevitavelmente, passarão várias décadas antes de as sociedades pós-comunistas encontrarem um modo de viver estável na nova era, e de poderem ser erradicadas algumas das consequências da alteração social, da corrupção e do crime institucionalizados.

O segundo problema é que tanto o neoliberalismo ocidental quanto as políticas pós-comunistas que o inspiraram deliberadamente subordinam o bem-estar e a justiça social à tirania do Produto Interno Bruto, sinônimo do máximo e deliberadamente desigual crescimento. Desta forma se sufoca, e em alguns países ex-comunistas se destrói, o sistema de segurança social, os valores e os objetivos do serviço público. Tampouco existem bases para o “capitalismo com rosto humano” da Europa das décadas posteriores a 1945, nem para satisfatórios sistemas pós-comunistas de economia mista.

O propósito de uma economia não deve ser o lucro, mas o bem-estar de todas as pessoas, assim como a legitimação do Estado é seu povo e não seu poder. O crescimento econômico não é um fim, mas um meio para criar sociedades boas, humanas e justas. O que importa é com quais prioridades combinaremos os elementos públicos e privados em nossas economias mistas. Esta é a questão política-chave do século XXI. IPS/Envolverde

* Eric Hobsbawm é historiador e escritor britânico.


Fonte: IPS/Envolverde

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Iniciativa Global de Adaptação de Comunidades às mudanças climáticas

Iniciativa ajudará na adaptação às mudanças climáticas
Paula Scheidt
Carbono Brasil


Oxfam, Care e Instituto Ambiental de Estocolmo estão entre as instituições que irão incentivar uma maior troca de experiências de ações realizadas em comunidades pobres de todo o planeta para enfrentar as conseqüências do aquecimento global

Mais de 150 representantes de agências de doações, ONGs internacionais e institutos de pesquisa de 50 países se juntaram para ajudar as comunidades mais pobres do planeta a se adaptarem as mudanças climáticas em uma nova iniciativa lançada na terça-feira (24), durante a Terceira Conferencia Internacional de Adaptação de Comunidades, em Daca, Bangladesh.

“As mudanças climáticas já trazem sérios impactos na vida de pessoas de comunidades pobres ao redor do mundo”, afirmou o membro sênior do grupo de mudanças climáticas do Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (IIED), Dr Saleemul Huq.

A Iniciativa Global de Adaptação de Comunidades às mudanças climáticas irá apoiar uma plataforma digital e uma série de conferências internacionais para permitir que especialistas troquem informações sobre o que funciona melhor e quais estratégias de adaptação empregadas em uma parte do mundo podem ser replicadas em outros lugares. A próxima Conferencia será em setembro de 2009, na Tanzânia.

“Estas pessoas precisam com urgência se adaptar no nível comunitário através de mudanças no modo de vida e de trabalho. Os poluidores que estão causando este problema devem aceitar a responsabilidade e ajudar estas comunidades fornecendo compensação na forma de fundos, tecnologia e experiência técnica”, disse Hug durante o lançamento da Iniciativa.

Alguns exemplos de medidas são a troca por espécies agrícolas mais adequadas a condições de seca, enchentes e alta salinidade; técnicas de irrigação eficientes para enfrentar a escassez de água; a diversificação de plantações por pesca e criação de rebanhos; a construção de defesas contra enchentes e o estabelecimento de sistemas de avisos prévios a ciclones.

As ações, contudo, não devem se focar excessivamente em estratégias de curto prazo, que são apenas paliativos e não são sustentáveis ao longo do tempo, alerta o professor emérito da Universidade de Toronto (Canadá), Ian Burton, também cientista emérito do Serviço Meteorológico do Canadá. “É importante evitar adaptações ruins ou que façam a situação piorar com o passar do tempo caso nos foquemos no que irá funcionar a curto prazo”, disse Burton à SciDev.net.

Durante o encontro, foram apresentadas experiências realizadas ao redor da África e Ásia, como em Bangladesh, onde foram criados os “jardins alagados” – usando uma base de plantas aquáticas para o cultivo de vegetais – o que permite o plantio em áreas alagadas.

No Nepal, fazendeiros locais estão usando o conhecimento sobre espécies tradicionais e plantações negligenciadas ou pouco utilizadas para escolher as que trazem o melhor retorno financeiro. Já no Vale Lower Ouémé, em Benin, as comunidades buscam soluções como o cultivo de espécies que crescem rapidamente em áreas secas de florestas pantanosas.

Entre as instituições que criaram a iniciativa estão o IIED, a Oxfam Internacional, a Action Aid, a WWF, a CARE Internacional, o Instituto Ambiental de Estocolmo, o Christian Aid, a Caritas, o Centro de Estudos Avançados de Bangladesh e o Fundo de Desenvolvimento da Noruega.


Fundos de Adaptação

Segundo um levantamento feito pelo jornal britânico The Guardian, apenas 10% do dinheiro prometido pelos países ricos para a adaptação ao aquecimento global foi repassado aos países em desenvolvimento nos últimos sete anos. Em discursos, as nações mais ricas do mundo já prometeram US$ 18 bilhões, porém somente US$ 900 milhões realmente chegaram às comunidades.

“Isto é um escândalo. A quantidade que os países desenvolvidos forneceram é insignificante. Isto está envenenando as negociações da ONU. O que os países ricos oferecem para os mais pobres é irrisório, o equivalente ao bônus de um banqueiro. É um insulto para as pessoas que já experimentam o aumento de eventos climáticos extremos”, disse ao Guardian a chefe de negociações para o grupo de países em desenvolvimento do G77 e a China, Bernarditas Muller, da Filipinas.

Segundo as Nações Unidas, são necessários de US$ 50 a US$ 70 bilhões por ano em investimentos imediatos para ajudar os países pobres a se adaptarem a enchentes extremas, secas e ondas de calor. O chefe do braço climático da ONU, Yvo de Bôer, afirmou que sem recursos financeiros significativos, os países em desenvolvimento são irão se engajar nas negociações para um novo acordo de redução de emissões de gases do efeito estufa, que deve substituir o Protocolo de Quioto após 2012.

Até agora, o Reino Unido, a Alemanha, o Japão e os Estados Unidos lideram um grupo de 12 países ricos que pedem US$ 6,1 bilhões em doações para dois fundos de investimentos climáticos administrados pelo Bando Mundial. Porém nenhum recurso financeiro tem sido depositado e não há dinheiro disponível na forma de empréstimos, nem gratificações com condições rígidas de como o dinheiro deve ser gasto.