quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Ignacy Sachs: Responsabilidade Social dos paises industrializados

"A responsabilidade social pesa essencialmente sobre os países industrializados", diz Sachs

Por Redação da Amazônia.org.br

Ignacy Sachs está em alta no debate público. O intelectual de 81 anos, consultor de vários governos - dentre eles o brasileiro - é professor da Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais em Paris, onde criou e dirige o Centro de Pesquisas do Brasil Contemporâneo.

Com a proximidade da 15ª Conferência da ONU para o clima, a COP-15, a se realizar em dezembro, na cidade dinamarquesa de Copenhague, sua voz passa a ser cada vez mais procurada na tentativa de entender o atual momento vivido e, principalmente, vislumbrar alternativas de um futuro menos apocalíptico.

Durante a semana passada, ele esteve no II Seminário Conexões Sustentáveis: São Paulo - Amazônia, onde falou brevemente sobre o contexto em que o debate sobre a mudança de paradigmas em busca de uma economia de baixo carbono está inserido.

"Estamos entrando na terceira grande transição da humanidade. Depois do domínio das técnicas agrícolas e da era das energias fósseis, entramos agora num momento de encontrar uma saída ordenada para todos esses problemas que estão a nossa frente. Mas isso não acontecerá da noite para o dia, e sim, na perspectiva do que nos acompanhará até o fim desse século", disse ele.

O professor enxerga na crise a oportunidade para a humanidade "mudar de rumo". Ele destacou a necessidade do aumento das redes de serviços sociais, para que o Estado atue sobre o bem-estar da população sem influência do mercado. Segundo Sachs, para se atingir esse ponto, devemos adotar o voluntarismo responsável, que ele explica não se tratar de transportar utopias para o futuro, mas sim, contribuir com um projeto de longo prazo que tenha chances de ser realizado, enfrentando simultaneamente os desafios postos nas áreas social e ambiental.

"Temos que nos proteger de um paradigma de relações assimétricas. Precisamos tornar visíveis os padrões de relacionamento e nos proteger contra a exploração abusiva", conclui.

De saída, Sachs concedeu rápida entrevista ao Amazônia.org, que foi interrompida abruptamente pela urgência do professor em seguir para outro compromisso. Confira.

Amazônia.org - Copenhague será um fracasso, assim como Kyoto?

Ignacy Sachs - Pelos índices apresentados até agora, é difícil ser otimista. Mas é sempre possível imaginar uma inversão da situação através de uma ação de última hora de um grupo de grandes líderes. Sei que o presidente Lula está bastante empenhado na idéia. Oxalá seja bem sucedido. Os índices até agora são negativos. Estão todos enrolando, empurrando para frente. E há um problema muito claro posto aí, que vem desde Kyoto. Ou se discute o que precisa ser feito e depois como deve ser compartilhado o esforço para se atingir esse objetivo entre os diferentes atores, ou se discute até onde esses atores pretendem ir, e repetimos o erro de Kyoto, que mesmo se fosse implementado em 100%, seria apenas uma parcela do que deveria ser decidido naquele momento.

Amazônia.org - O senhor falou do presidente Lula. Como enxergou o anúncio de que o Brasil não levará metas obrigatórias...

Sachs - Espere. Ontem ou anteontem li uma entrevista da ministra Dilma Roussef dizendo que não serão metas impostas, mas sim objetivos voluntariamente assumidos pelo Brasil. Eu acho isso correto. A responsabilidade social pesa essencialmente sobre os países industrializados.

Amazônia.org - Mas os países em desenvolvimento não podem repetir o modelo adotado pelos industrializados...

Sachs - Os países industrializados não estão dispostos a assumir, então busca-se fórmulas complicadas para dizer que não se pode eliminar do esforço países que são grandes poluidores como China, Índia e Brasil. Esperar que esses países assumam voluntariamente compromissos é uma idéia forte. Não ter medo de assumir, e insistir sobre o fato de que é uma postura voluntária, não uma obrigação. De qualquer maneira, a diplomacia tem capacidades infinitas de encontrar fórmulas que depois podem ser interpretadas de maneira diferente. Ou haverá um momento em que os cinco, seis líderes mais importantes sentam à mesa para decidir, ou teremos um novo Kyoto. Por enquanto, esse acordo não apareceu.

Amazônia.org - Esses líderes, ao menos em seus discursos, vêm se posicionando de maneira favorável a uma economia de baixo carbono e uma mudança de paradigma na produção industrial. Mas não se percebe de fato mudanças significativas nesse modelo. Como seria uma maneira mais eficaz, ou até radical, para mudar de vez esse paradigma?

Sachs - Esqueci meu colete do qual eu lhe tiraria uma resposta para essa pergunta. Não sei como se faz. Em última instância, uma pressão dos movimentos sociais poderia ter alguma importância, mas isso não está muito claro. Poderia haver uma convergência de movimentos sociais e políticos sobre esse assunto.


(Envolverde/Amazônia.org.br)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Da Propriedade Intelectual à Economia do Conheciment

Da Propriedade Intelectual à Economia do Conhecimento

Ladislau Dowbor


Em um trabalho de trinta páginas, o professor Ladislau Dowbor discute a questão da propriedade intelectual, que atualmente circula entre os pensadores na nova economia e já começa a ganhar espaço na pauta dos governos, que buscam a liberação de patentes de propriedade intelectual de produtos como remédios e vacinas e de tecnologias verdes. "Achei que estava faltando um texto em português, de embasamento teórico, tazendo os principais autores e os principais argumentos", explica o economista, doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia e professor titular da PUC de São Paulo.


Para ele, vivemos um momento em que “o eixo central de geração de valor desloca-se do conteúdo material para o conteúdo de conhecimento incorporado aos processos produtivos. Com isso criou-se uma batalha ideológica e econômica em torno do direito de acesso ao conhecimento. O acesso livre e praticamente gratuito ao conhecimento e à cultura que as novas tecnologias permitem é uma benção, e não uma ameaça. Constitui um vetor fundamental de redução dos desequilíbrios sociais e da generalização das tecnologias necessárias à proteção ambiental do planeta. Tentar travar o avanço deste processo, restringir o acesso ao conhecimento e criminalizar os que dele fazem uso não faz o mínimo sentido. Faz sentido sim estudar novas regras do jogo capazes de assegurar um lugar ao sol aos diversos participantes do processo. Vale a pena atentarmos para o universo de mudanças que se descortina: são os trabalhos de Lawrence Lessig sobre o futuro das idéias, de James Boyle sobre a nova articulação dos direitos, de Joseph Stiglitz sobre a fragilidade do sistema de patentes, de André Gorz sobre a economia do imaterial, de Jeremy Rikin sobre a economia da cultura, de Eric Raymond sobre a cultura da conectividade, de Castells sobre a sociedade em rede, de Toffler sobre terceira onda, de Pierre Lévy sobre a inteligência coletiva, de Hazel Henderson sobre os processos colaborativos e tantos outros inovadores. Nestas propostas, veremos que as mudanças não estão esperando que se desenhem utopias, um outro mundo está se tornando viável.

Baixe a íntegra do artigo no link
 https://dowbor.org/2009/11/da-propriedade-intelectual-a-economia-do-conhecimento-outubro.html


Fonte: Envolverde

Ambientalismo, Ecofeminismo, retorno ao campo...

O novo ideário do ambientalismo e os embates da modernidade

Manuel Alves Filho, Jornal da Unicamp


Aspectos importantes do ambientalismo e das conexões deste com outros movimentos sociais, como o feminismo, o pacifismo e o movimento estudantil, são tratados com profundidade e acuro no livro A busca pela natureza - Turismo e aventura, de autoria de Heloísa Turini Bruhns, professora aposentada do Departamento de Estudos do Lazer da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp, e que atualmente desenvolve projetos em colaboração com a professora Tereza Paes-Luchiari, coordenadora do programa de pós-graduação em Geografia do Instituto de Geociências (IG) da própria Universidade.

A obra, que resulta de pesquisas realizadas pela autora para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), elege o ambientalismo como um dos marcos do pensamento crítico contemporâneo. “Penso que o movimento trouxe novas possibilidades para refletirmos nossos valores e conceitos em relação à vida, além de ter polemizado algumas questões propostas pela modernidade, como a tentativa de domesticação do sujeito, a valorização da razão e a fé no progresso”, afirma. Na entrevista que segue, Heloísa Bruhns fornece mais detalhes dos temas que aborda no livro.

Jornal da Unicamp - O livro é resultado de pesquisas que a senhora vem desenvolvendo há algum tempo, não é?

Heloísa Bruhns - O livro teve como base três pesquisas que eu desenvolvi para o CNPq, todas elas relacionadas com meio ambiente, lazer e natureza. Outra participação importante nessa trajetória foi minha atuação, desde 1994, junto ao grupo de pesquisa “Turismo e meio ambiente” do Nepam [Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais, da Unicamp]. Essa participação culminou com a organização de eventos e na publicação de livros, cuja alavanca foi “Viagens à natureza”, que está na 8ª edição. Parto do pressuposto de que o ambientalismo enquanto movimento crítico-social - em negar suas contradições e incoerências, bem como correntes às vezes conflituosas - influenciou a busca atual pela natureza, a qual recebeu conotações diferenciadas ao longo de seu percurso histórico em diferentes contextos. Podemos pensar essas questões engatilhadas a partir da década de 1960, nos movimentos contraculturais, constituindo e desembocando em crises deflagradas no âmbito das instituições - família, ensino, igreja dentre outras. Surge aí uma noção de ambientalismo na qual está embutida não apenas a preservação, de maneira isolada e estanque, mas integrando uma infinidade de conteúdos.

JU - É um livro voltado para a academia ou é acessível a todas as pessoas que se interessam pelos temas nele contidos?

Heloísa Bruhns - Há um processo recente de diálogo entre a academia e os técnicos especializados que gerenciam as atividades na natureza. Participei em julho passado, na Chapada Diamantina, do Congresso Brasileiro de Atividade de Aventura. Achei interessante, porque a academia está abrindo diálogo com esse segmento, visto que ela não consegue dar conta sozinha do aspecto técnico. Algumas atividades requerem o uso de equipamentos muito específicos e sofisticados. Não é possível realizar, por exemplo, uma exploração de cavernas no Petar [Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira, localizado na faixa Sul do Estado de São Paulo] sem o acompanhamento de um técnico ou sem o uso de equipamentos de segurança. Ou seja, os técnicos possuem esse conhecimento.

A fusão do saber crítico e do saber especializado é interessante e enriquecedor, uma vez que estamos tratando de um assunto que envolve áreas das mais diversas, como geografia, turismo, ciências sociais, biologia, educação física etc. Nesse sentido, o livro realiza uma discussão um pouco mais densa no primeiro capítulo, no qual abordo questões do ambientalismo, do feminismo e do ecofeminismo. Do segundo capítulo em diante o enfoque é mais acessível aos não-acadêmicos. É quando enfoco a questão da educação ambiental, das características das atividades de turismo e aventura e do perfil do público que está demandando essas atividades. Penso que o livro atinge públicos diferentes, de áreas igualmente distintas.

JU - A senhora aponta o ambientalismo como um importante movimento social. Há, todavia, quem ainda o veja como um movimento permeado por ingenuidades. Por que isso acontece?

Heloísa Bruhns - No início, o ambientalismo incluiu entre suas propostas um tema que a meu ver foi equivocado. Ingenuamente, o movimento negou o progresso conquistado e defendeu o retorno ao campo. Uma utopia simplista manifestou-se no movimento, relacionada à ruralização e à proposta de volta às comunidades rurais, qual seja, o retorno aos modelos de convívio dos pequenos povoados e vilas, negando o conforto, que foi confundido com luxo, conquistado na sociedade ocidental. Isso fez com que surgissem várias comunidades alternativas, sendo que a grande maioria foi extinta. A proposta não teve o alcance imaginado por um motivo simples: a sociedade em geral não estava disposta a abrir mão de algumas conquistas que ela tinha como legítimas. Ou seja, não se tratava propriamente de retroceder, mas sim de contestar o que estava sendo feito, de modo que as ações do progresso fossem menos agressivas, tanto em relação ao planeta quanto em relação aos sujeitos.

Penso que esse equívoco inicial fez com que alguns segmentos passassem a ver o ambientalismo como um movimento com propostas ingênuas, mas hoje sabemos que não se trata disso absolutamente. Embora o movimento tenha se inspirando no princípio da não-violência, nem tudo ocorre sempre assim, e grupos de ação direta como Greenpeace e Earth First! às vezes correm o risco de aproximar os ambientalistas de milícias defensoras da sobrevivência.

JU - No livro, a senhora trata das conexões do ambientalismo com outros movimentos sociais. Que movimentos são esses e como se deram essas relações?

Heloísa Bruhns - No livro, eu tento fazer uma ponte entre o feminismo, o ecofeminismo, o ambientalismo, os novos valores e as novas sensibilidades, envolvidos na busca contemporânea pela natureza. O ambientalismo carrega novas ideias e sensibilidades - aproximando-se do feminismo e da vertente ecofeminista -, configurando uma fase estética, gerando tanto uma atitude ativa contemplativa sobre a natureza, como uma atitude ativa destinada a expandir e integrar as relações da sociedade com a natureza.


O feminismo insere-se nos “novos movimentos sociais” emergidos durante a década de 1960 - as revoluções estudantis, os movimentos antiguerra e da contracultura revolucionária , os movimentos pacifistas e o ambientalismo. Ele veio contestar situações pontuadas pela modernidade como categorias universais de sujeito masculino e do conhecimento objetivo. Criticar totalidades e estereótipos universais é uma opção teórica dos estudos feministas. Ora, não existe sujeito universal, existem sujeitos particulares em situações igualmente particulares; localidades particulares, com interesses e necessidades muito diferentes entre si. No início, direcionado para a contestação social feminina, o feminismo expandiu-se, incluindo a formação de identidades sexuais e de gênero, desafiando a noção de que homens e mulheres eram parte da mesma identidade, ou seja, da mesma “humanidade” Assim, politizou a subjetividade, a identidade e o processo de identificação: homens/mulheres; mãe/pai; filho/filha.

O feminismo propôs também um olhar mais sensível em relação às questões que vinham ocorrendo na sociedade em geral, tanto no mundo oriental quanto ocidental, como a da agressividade em relação ao planeta e aos sujeitos. Apontou a necessidade de incorporarmos parâmetros não-racionais à nossa leitura da realidade e de nos aproximarmos de valores como a sensibilidade, a fragilidade, a tolerância, a solidariedade, entre outros, embora devamos considerar que esses valores merecem receber tratamento contextualizado, uma vez que suas construções históricas requerem tal cuidado. A vertente do ecofeminismo procura incorporar a visão das mulheres às discussões acerca da problemática ambiental e tem orientado movimentos ambientalistas e feministas em várias partes do mundo

JU - Como marco histórico, estamos falando das décadas de 60 e 70, é isso?

Heloísa Bruhns - Algumas práticas de lazer tendo como pano de fundo o ambientalismo enquanto movimento crítico-social surgem ou despontam com outras características a partir de 1960, muito próximas às peregrinações do movimento hippie ou aos seus propósitos de volta ao campo, onde a busca pela natureza representava uma contestação de valores em relação à determinada produção e ao consumo.


Atualmente, a natureza pode ser considerada como território da experiência, afastando-se da contestação inicial. Porém, é importante lembrar que experiência está associada a tentar, testar, arriscar, ou seja, implica em aventurar-se. Podemos visualizar aí uma espécie de protesto contra um ritmo de vida orientado unicamente para a produção. As visitas à natureza traduzidas nas formas de acampamento, caminhadas, exploração de cavernas e montanhismo tornam-se cada vez mais frequentes, desencadeando uma série de atividades como rafting, canyoning, bóia-cross, cascading, tirolesa e outros.

JU - O que há de novo no movimento ambientalista?

Heloísa Bruhns - Atualmente, podemos adotar como “ambientalista” uma variada gama de pessoas interessadas nas questões ambientais. Muitas delas valorizam estilos de vida rurais, caminhadas, práticas de acampamento e algumas integram organizações ambientalistas como a WWF [World Wildlife Fund], SOS Mata Atlântica e Projeto Tamar.

Observamos ações diversas, que provavelmente não seriam realizadas há algumas décadas, como observar abutres na Croácia ou baleias nas Ilhas Canárias. Essas pessoas são denominadas “ecovoluntários”. Viajam para trabalhar, com direito a hospedagem e refeição. Policiam, por exemplo, o ecoturismo marinho e instruem a população sobre a importância da preservação.

JU - Como o homem é visto dentro desse contexto de preservação do planeta?

Heloísa Bruhns - Estamos vivendo um período de discussões muito efervescente, principalmente por conta das consequências do aquecimento global. A necessidade de repensarmos a nossa relação com o planeta não pode ficar restrita apenas aos fatores físico-bióticos. O ambientalismo mostrou que a questão ambiental se relaciona também com a questão da qualidade de vida do sujeito. E a qualidade de vida está intimamente relacionada à necessidade fundamental de erradicação da miséria e de melhor distribuição de renda. Ou seja, uma vida digna pressupõe que problemas de saúde, educação, habitação e alimentação estejam sanados.

JU - Voltando à questão da prática de atividades de aventura, essas experiências estão vinculadas ao consumo em alguma medida. Muitas são promovidas por agências de turismo, que obviamente cobram pelo serviço. Alguma crítica a essa relação?

Heloísa Bruhns - No Brasil, a questão comercial em relação aos grupos organizados prevalece bastante, o que não acontece tanto na Europa. Em 2007, eu desenvolvi uma pesquisa como professora visitante na Nottigham Trent University. Apenas em Nottingham, onde eu morava, cheguei a participar de cinco grupos diferentes de caminhada. Nenhum deles estava associado a agências de turismo. Para o europeu, essa prática parece ser mais comum. O brasileiro, ao contrário, prefere se associar a uma agência por conta de comodidade e segurança. Ou seja, o lado comercial e mercadológico existe. Entretanto, o mesmo ocorre em relação a grupos que se aventuram sozinhos, pois seus membros compram equipamentos, muitos deles de grife.

No livro tento mostrar que essa questão exige a busca da complexidade envolvida no tema. Enfoques sobre a invasão do consumo na nossa vida cotidiana tornaram-se assunto comum na sociedade urbano-industrial há algum tempo, conduzindo os sujeitos a acreditarem na manipulação de nossos costumes e comportamentos. Nessa perspectiva, o consumo representa a trapaça do mercado invadindo todos os aspectos da vida.

Essas abordagens tornam-se simplistas, pois são verificadas manifestações de oposição e aceitação em relação às mensagens veiculadas pela indústria cultural, implicando numa dinâmica das relações de classes, com um reposicionamento constante dos diversos grupos sociais. A interpretação do consumo como mero fenômeno econômico despreza os fenômenos expressivos que entram em tensão com a racionalização ou com as pretensões de racionalizar a vida social. Embora concorde que as garras do poder econômico e a potência do mercado têm o poder de ditar normas e induzir comportamentos, não posso olhar o homem como um ser simplesmente consumidor, pois estaria realizando uma análise simplista, ingênua e reducionista da questão, ao mesmo tempo em que empobreceria a humanidade nas suas possibilidades de expressão e manifestação.

JU - Normalmente, nós vemos mais ações das ONGs do que dos entes públicos quando o assunto é meio ambiente. O poder público continua participando timidamente dessa questão?

Heloísa Bruhns - Ao contestar instrumentos sócio-culturais e político-econômicos de organização das sociedades e ao questionar teorias e práticas em torno da luta pelo poder, o ambientalismo vem propor novas configurações do expressar a política, de fazer reivindicações, de agir sobre os temas de interesse coletivos e individuais.

O movimento defende o exercício da política do cotidiano e da identidade na transformação das relações fundamentais, mesmo que essa ação atinja somente uma localidade específica. Considera essa forma de fazer política mais efetiva quando comparada ao enfrentamento dos jogos macro do poder instituído, pois não concorda com suas regras. Portanto, acredita que a solução não vem da mesma matriz danosa que se tenta evitar.

O ambientalismo propõe uma mudança de perspectiva na tradicional concepção de política e, consequentemente, novas formas de fazer política e se relacionar com o poder. A política de identidade visualiza virtudes na flexibilidade e mobilidade e se concentra em questões particulares, reconhecendo a inevitabilidade da diferença e da heterogeneidade, desconfiando dos discursos políticos que giram em torno de imagens do universal e da massa. Entre as décadas de 1960 e 1990, os movimentos e as lutas políticas que mais se destacaram, tanto nos países centrais como nos periféricos e semiperiféricos, foram protagonizados por grupos sociais compostos por identidades não diretamente classistas, como estudantes, mulheres, grupos étnicos e religiosos, pacifistas, ecológicos.

As ONGs, embora não desvinculadas totalmente do poder instituído, tentam garantir o mínimo de autonomia e independência nas suas ações, criando regras diferenciadas, tentando um afastamento dos entraves burocráticos. Iniciativas particulares como participar de mutirões para recolhimento do lixo das praias e trilhas, desenvolver projetos voluntários para a erradicação do analfabetismo, criar grupos para trabalhar com material reciclado etc demonstram possibilidades mais independentes em relação ao poder público.

JU - Como é o seu olhar sobre essas experiências contemporâneas relacionadas à busca pela natureza?

Heloísa Bruhns - Essa busca pela natureza muitas vezes traduzida como errância, incorporando o deslocamento, o trânsito, manifesta uma insatisfação contra a estabilidade positivista do mundo estabelecido relacionada a uma tentativa - bem sucedida - de domesticação das massas, do assentamento no trabalho e no destino à residência.

Essas pequenas, porém essenciais aventuras errantes, sem muito propósito definido, reconciliam desejos e sua materialização, por meio de uma experiência grupal, na qual os sentidos e os sentimentos tornam-se a base a partir da qual surgem comportamentos e ideias, criando laços ou conflitos, concordâncias ou discordâncias, ambiguidades e contradições.

Frente a uma ideologia econômica que tenta direcionar a vida, testemunhamos a necessidade do “vazio”, da perda, do que não pode ser contabilizado. Enfim, pela necessidade do imaterial. Ao atentarmos para o preço das coisas “sem preço”, saberemos dar sentido aos fenômenos que não querem ter sentido. A questão dessa experiência - ou aventura - não está em ganhar ou perder - nesse sentido distancia-se da lógica tradicional e linear do “record”. Trata-se somente de um fragmento da existência, ao lado de tantos outros, o qual possui a força misteriosa de fazer-nos sentir, por um momento, a vida inteira, como se não tivesse outro objetivo senão sua realização.

O desafio contemporâneo requer a busca de reinvenções, sobretudo no plano político, de elos e mediações ou de novos meios de convívio e valores diferenciados, em um confronto com as sempre mesmas injustiças conhecidas. Estamos buscando algo indefinido, desconhecido, compondo instabilidades em um quadro instaurado na reciclagem de desejos, bem com na reciclagem da própria vida.

Talvez essa busca pela natureza por meio de experimentações e novos comportamentos traduza um pouco de tudo isso, pois nela percebemos a influência mais surda, porém mais profunda, de um mundo em crise, inquietante e instável, tomado por abalos brutais e animado por mudanças rápidas; um universo social que se experimenta e do qual nossos corpos carregam os traços.

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Heloisa Turini Bruhns é professora titular aposentada do Departamento de Estudos do Lazer-FEF e atual colaboradora no programa de pós-graduação em Geografia do Instituto de Geociências (IG), ambos da Unicamp. Autora dos livros: O corpo parceiro e o corpo adversário; Futebol, carnaval e capoeira: entre as gingas do corpo brasileiro (ambos pela Papirus); e A busca pela natureza-aventura e turismo (Manole). Organizadora e co-organizadora dos livros: Conversando sobre o corpo; Viagens à natureza; Olhares contemporâneos sobre o turismo; Natureza, cultura e patrimônio (todos pela Papirus); Introdução aos Estudos do Lazer (Editora da Unicamp); Lazer e ciências sociais (Chronos); Temas sobre Lazer; O corpo e o lúdico; Enfoques contemporâneos sobre o lúdico e Representações do lúdico (todos pela Autores Associados); Turismo, Lazer e Natureza, e Viagens, lazer e esporte: o espaço da natureza (ambos pela Manole). Durante o ano de 2007 realizou um estágio como “Visiting Professor” no centro de pesquisa “Theory, Culture and Society” na Nottingham Trent University-UK.


"A busca pela natureza - Turismo e aventura"
Editora: Manole
Páginas: 206
Preço R$ 43,20


fonte: Envolverde/Jornal da Unicamp

Fundamentalismo do Mercado x queda do Muro: E Hobsbawm

Vinte anos depois da queda do Muro de Berlim: Além do fundamentalismo do mercado

Eric Hobsbawm*
Londres, novembro/2009

O breve século XX foi uma era de guerras religiosas entre ideologias seculares. Por razões mais históricas do que lógicas, o século passado foi dominado pela oposição entre dois tipos de economia mutuamente excludentes: o “socialismo”, identificado com as economias planejadas centralmente do tipo soviético, e o “capitalismo”, que cobriu todo o resto.

Esta aparente oposição fundamental, entre um sistema que tentou eliminar a busca pelo lucro da empresa privada e outro que procurou eliminar toda restrição do setor público sobre o mercado, nunca foi realista. Todas as economias modernas devem combinar o público e o privado de variadas maneiras e de fato o fazem. As duas tentativas de cumprir a qualquer custo com a lógica dessas definições de “capitalismo” e “socialismo” fracassaram. As economias de planejamento comandadas pelo Estado do tipo soviético não sobreviveram aos anos 80, e o “fundamentalismo do mercado” anglo-norte-americano, então em seu apogeu, se fez em pedaços em 2008.

O século XXI terá de reconsiderar seus problemas em termos mais realistas. De que maneira o fracasso afetou os países anteriormente comprometidos com o “modelo socialista”? Sob o socialismo, eles não foram capazes de reformar seus sistemas de economia planificada, embora seus técnicos tivessem plena consciência de seus defeitos fundamentais, que eram internacionalmente não competitivos e continuavam sendo viáveis apenas na medida em que estivessem isolados do resto da economia mundial.

O isolamento não pôde ser mantido, e quando o socialismo foi abandonado, já o fora pelo colapso dos regimes políticos, como ocorreu na Europa, ou pelo próprio regime, como sucedeu na China e no Vietnã, esses Estados mergulharam de cabeça no que para muitos parecia a única alternativa à disposição: o capitalismo em sua então dominante forma extrema do livre mercado.

Os resultados imediatos na Europa foram catastróficos. Os países da ex-União Soviética ainda não superaram seus efeitos. Felizmente para a China, seu modelo capitalista não se inspirou no neoliberalismo anglo-norte-americano, mas no muito mais dirigista dos “tigres” do Leste asiático. A China lançou seu “grande salto adiante” econômico com escassa preocupação por suas implicações sociais e humanas.

Este período agora está chegando ao fim, tal como ocorre com o domínio do liberalismo econômico anglo-norte-americano, embora ainda não saibamos quais mudanças trará a atual crise econômica mundial depois de superados os efeitos da sacudida dos últimos dois anos. Somente uma coisa é clara, há um importante deslocamento das velhas economias do Atlântico Norte para o Sul e, sobretudo, para a Ásia do Leste.

Nesta situação, os ex-Estados socialistas (incluindo aqueles ainda governados por partidos comunistas) enfrentam problemas e perspectivas muito diferentes. A Rússia, tendo se refeito até certo ponto da catástrofe da década de 90, ficou reduzida a ser forte, mas vulnerável, exportadora de matérias-primas e energia, e até agora não foi capaz de reconstruir uma base econômica mais balanceada.

A reação contra os excessos da era neoliberal levou a certo retorno para uma forma de capitalismo de Estado com uma reversão a aspectos da herança soviética. É evidente que a simples “imitação do Ocidente” deixou de ser uma opção. Isto é ainda mais óbvio na China, que desenvolveu seu capitalismo pós-comunista com considerável êxito. Tanto é assim que futuros historiadores poderão muito bem ver a China como a verdadeira salvadora da economia do mundo capitalista na atual crise.

Em resumo, já não é possível crer em uma única forma global de capitalismo ou de pós-capitalismo. Porém, modelar a economia futura talvez seja o assunto menos importante de nossas preocupações. A diferença crucial entre os sistemas econômicos está não em suas estruturas, mas em suas prioridades sociais e morais. A este respeito vejo dois problemas:

O primeiro é que o fim do comunismo significou o súbito fim de valores, hábitos e práticas sociais com os quais várias gerações viveram, não apenas dos regimes comunistas, mas também os do passado pré-comunista e que foram amplamente preservados sob tais regimes. Exceto para os nascidos depois de 1989, se mantém em todos um sentimento de alteração e desorientação social, mesmo com os apuros econômicos já não predominando na população pós-comunista. Inevitavelmente, passarão várias décadas antes de as sociedades pós-comunistas encontrarem um modo de viver estável na nova era, e de poderem ser erradicadas algumas das consequências da alteração social, da corrupção e do crime institucionalizados.

O segundo problema é que tanto o neoliberalismo ocidental quanto as políticas pós-comunistas que o inspiraram deliberadamente subordinam o bem-estar e a justiça social à tirania do Produto Interno Bruto, sinônimo do máximo e deliberadamente desigual crescimento. Desta forma se sufoca, e em alguns países ex-comunistas se destrói, o sistema de segurança social, os valores e os objetivos do serviço público. Tampouco existem bases para o “capitalismo com rosto humano” da Europa das décadas posteriores a 1945, nem para satisfatórios sistemas pós-comunistas de economia mista.

O propósito de uma economia não deve ser o lucro, mas o bem-estar de todas as pessoas, assim como a legitimação do Estado é seu povo e não seu poder. O crescimento econômico não é um fim, mas um meio para criar sociedades boas, humanas e justas. O que importa é com quais prioridades combinaremos os elementos públicos e privados em nossas economias mistas. Esta é a questão política-chave do século XXI. IPS/Envolverde

* Eric Hobsbawm é historiador e escritor britânico.


Fonte: IPS/Envolverde